sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

CAPDOC UVA



A novidade do Curso de História da UVA Cabo Frio para 2010 é o início do funcionamento do CAPDOC - UVA. O Centro de Apoio Pesquisa e Documentação da Região dos Lagos terá como objetivo trabalhar na recuperação da documentação dos orgãos públicos, privados e particulares criando acervos, fundos e séries para pesquisa, produção de artigos,monografias e documentários. Aberto a comunidade acadêmica do Curso de História, o CAPDOC UVA pretende abrir seu espaço para parcerias com as Secretarias de Educação das cidades da Região dos Lagos e interagir com os alunos das redes pública e particular de ensino. A exibição de filmes, realização de palestras e seminários também estarão na programação do CAPDOC a ser lançada em Março. Estaremos divulgando também o regulamento para o Concurso anual de monografias de temas sobre a nossa Região. Mais novidades estaremos postando aqui no nosso Blog.
Guilherme Guaral
Coordenador do Curso de História
UVA CABO FRIO

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Bem Vindo 2010!!!


Estamos começando um novo ano e com ele a expectativa de realizar o melhor trabalho possível! Contamos com os alunos e professores para, juntos continuar a cultivar o desejo de apreender e desevolver nossas habilidades e competências. O conhecimento deve ser construído a cada dia, na troca de experiências e saberes. Quem em 2010 possamos estar assim, envolvidos num mesmo Projeto: formar e informar novos professores que façam a diferença no mercado de trabalho e sobretudo na vida dos alunos dos municípios da Região dos Lagos.
Tudo de bom!!!
Guilherme Guaral
Coordenador do Curso de História
UVA - Cabo Frio

VII Congresso de História - Artigos

Edward Thompson e suas análises sobre folclore e cultura popular

Vanessa de Oliveira Brunow


Resumo: Este trabalho tem como principal finalidade trazer uma reflexão acerca dos estudos sobre Folclore e cultura popular na Inglaterra dos séculos XVIII ao XX. Trazendo especificamente a discussão que Edward P. Thompson faz sobre os usos costumeiros do século XVIII e sua teoria sobre classe social. Essa discussão pretende trazer o diálogo possível entre as áreas de História e Ciências Sociais, trazendo as contribuições que cada área pode trazer aos estudos culturais.

Palavras-chave: Edward P. Thompson, Cultura Popular, Folclore e Classe Social.


Este texto tem a intenção de analisar a teoria de Edward Thompson referente ao estudo sobre folclore e cultura popular na Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII, período no qual o autor defende que a consciência e os usos costumeiros eram particularmente fortes1. Para isso, faremos também uma discussão mais ampla sobre os estudos culturais, usando as análises sobre cultura de Aijaz Ahmad em sua obra: As linhagens do Presente.
Nesses estudos podemos ver o diálogo que Thompson estabelece com as demais ciências sociais e, em particular a Antropologia, que segundo Marcelo Badaró, “refere-se a um estímulo antropológico, que pode significar a incorporação de temas caros aos estudos dos antropólogos – como os rituais e as normas -, ou o compartilhamento de um olhar mais atento às dimensões simbólicas da autoridade e da dominação”2 . Tal enfoque tem como objetivo, trazer através da análise sobre a cultura plebéia no período pré-capitalista, um importante instrumento de análise para nós, historiadores brasileiros, que ao usarmos tal exemplo, podemos, com suas ressalvas, analisar também a cultura popular brasileira ao longo dos séculos. Thompson decide analisar o período anterior à Revolução Industrial no momento em que termina a obra: A formação da classe operária inglesa. Nesse contexto, faria mais sentido que o autor continuasse na análise da Revolução Industrial e não voltasse para analisar a consciência plebéia e as formas de protesto do século XVIII, como os motins da fome. No entanto, essa escolha esteve baseada no fato de que “mover-se da primeira para a segunda sociedade significou mover-se de uma sociedade submetida a um acelerado ritmo de mudança, para uma sociedade governada, numa extensão maior, pelo costume”3. Thompson tinha objetivos com o recuo cronológico de sua análise. O autor tentava através de sua pesquisa, mostrar as possibilidades de se viver num mundo ainda não dominado pelas idéias capitalistas, renovando a gama de possibilidades implícitas no ser humano e na sua história. Cito:

Nunca retornaremos à natureza humana pré-capitalista; mas lembrar como eram seus códigos, expectativas e necessidades alternativas pode renovar nossa percepção da gama de possibilidades implícita no ser humano. Isso não poderia, até nos preparar para uma época em que se dissolvessem as necessidades e expectativas do capitalismo e do comunismo estatal, permitindo que a natureza humana fosse reconstruída sob uma nova forma? É possível que eu esteja querendo demais. Seria invocar a possibilidade da redescoberta, sob novas formas, de um novo tipo de consciência costumeira, quando mais uma vez, as gerações sucessivas aprendessem umas com as outras; quando as satisfações culturais se ampliassem; quando as expectativas atingissem uma situação de equilíbrio permanente dos costumes. (Thompson, 1998, p. 23)

Assim, para Edward Thompson, a escolha de analisar a cultura plebéia, tem a intenção não só de contribuir no estudo da época, mas também de servir como uma possibilidade, de colocar exemplos alternativos à sociedade atual.
Para entendermos as opções de análise de Thompson faz-se necessário trazer um breve histórico do autor enquanto intelectual e ativista político. Uma das maiores contribuições na trajetória política e intelectual de Thompson veio do surgimento de um grupo de intelectuais da esquerda britânica na qual Thompson fez parte e que teve na revista New Left o seu maior símbolo. A New Left foi um movimento que a partir de final dos anos 1950 reuniu diversos intelectuais britânicos em torno de novas formas de pensar e de fazer política. “Entender esse movimento é relevante, pois constitui a base sócio-histórica dos estudos culturais” 4. Até 1956, essa esquerda britânica se aglutinou em torno do Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB), onde Thompson foi um dos exemplos de militância mais destacado. É no interior do CPGB que se funda o grupo de historiadores que “viria a se tornar não apenas uma das seções profissionais e culturais mais ativas e promissoras do PC como também um dos principais núcleos de elaboração do marxismo na Inglaterra” 5. Os principais nomes foram: Cristopher Hill, Eric Hobbsbawn, Victor Kiernan, John Saville, Rodney Hilton, Raphael Samuel e E.P.Thompson. Muitos destes começaram a pensar uma nova forma de escrever a história na Inglaterra, por causa de um empreendimento de certa forma marginal, ou seja, desconectado das disciplinas e das universidades consagradas, que eram os cursos de educação de adultos da Universidade de Leeds. Começaram não porque este ou aquele intelectual os inventou, mas a partir da necessidade política de estabelecer uma educação democrática para os que tinham sido privados dessa oportunidade. Cito:

Para Thompson, seus alunos ofereciam um retorno fabuloso, alimentando duas grandes paixões, a literatura e a história social. “ O professor acredita”, escreveu (...), “que aprendeu tanto quanto comunicou”. Esta relação foi, evidentemente, de particular importância para redigir a Formação da Classe Operária Inglesa”. (Fortes, 2001; p. 26-27)

Junto a isso, Thompson ao romper com o Partido Comunista em 1956 e iniciar diversas denúncias sobre os crimes cometidos na União Soviética, inicia uma intensa crítica ao “marxismo vulgar”, que predominava naquela época.
Esses Intelectuais, na qual Thompson era um dos principais nomes, estavam propondo, no interior dos marcos conceituais do marxismo, uma história não apenas econômica do capitalismo inglês, (embora valorizassem a História Econômica), mas reivindicavam a autonomia relativa de outros níveis de análise (político, social e cultural).
Thompson manteria longas polêmicas também com a historiografia conservadora em seus estudos sobre o século XVIII inglês. Tais polêmicas esteve relacionada com sua descoberta dos problemas de recuperação e compreensão da cultura popular inglesa daquele período, problemas que segundo o autor, eram possíveis de serem vistos, de modo muito geral, como mais próximos às preocupações da antropologia social que da história econômica. É óbvio que poderíamos ter escrito um artigo com base em autores especialistas em Folclore, inclusive no Brasil, como Carlos Rodrigues Brandão ou Câmara Castudo, ou especialistas que o próprio Thompson se baseia, como Peter Burke. No entanto, tal texto não pretende simplesmente falar sobre o estudo do folclore, mas principalmente trazer a contribuição que um historiador pode trazer a tais estudos, mantendo o diálogo com as outras disciplinas, sem perder de vista o lugar específico em que o produz. Thompson no Brasil passa então a ser citado não só por historiadores, mas também por cientistas sociais e antropólogos. Por isso, suas análises tornam-se cada vez mais importante para os estudos culturais no Brasil. Escolhemos trabalhar com o conceito de “costume”, pois este, por muito tempo, incorporou muito dos sentidos que atribuímos hoje ao conceito de cultura 6.
Esses estudos sobre a cultura plebéia aproximou Thompson do estudo do surgimento do folclore, que na Inglaterra teve sua origem, segundo Peter Burke, no século XVIII. Esses estudos foram decorrência de uma profunda alienação entre a cultura patrícia e plebéia, pois observadores das camadas superiores da sociedade promoviam a investigação da “Pequena tradição” plebéia, registrando seus estranhos hábitos e ritos 7. Thompson afirma que desde a sua origem, o estudo do folclore teve este sentido de distância, implicando superioridade e subordinação 8. Para confirmar tal análise ele cita o caso de John Brand, folclorista do século XVIII que através da obra intitulada: Observations on popular antiquities, estabeleceu um padrão com sua organização de acordo com o “calendário dos costumes” depois seguido pelos folcloristas britânicos durante todo o século XIX. O problema de tais padrões era que a pergunta dos folcloristas às fontes “raramente procuravam saber da sua função ou uso corrente”9.
Para Bacon, portanto, o problema consistia em induzir melhores hábitos o mais cedo possível. Cito:
“Como o costume é a principal diretriz da vida humana, que os procurem ter bons costumes[...] O costume é mais perfeito quando tem origem nos primeiros anos de vida: é o que chamamos de educação, que, com efeito, não passa de um costume cedo adquirido. (Thompson, 1998; p. 14)

Bacon não estava pensando na classe trabalhadora, mas cem anos depois Bernard Mandeville, tão convencido quanto Bacon da “tirania dos costumes que prevalece sobre nós”, estava muito menos inclinado a aceitar a educação universal, pensava numa divisão bem estabelecida para cada classe social. Era necessário que “toda uma multidão [...] habituasse seu corpo ao trabalho”, tanto em seu próprio benefício como para sustentar o lazer, o conforto e os prazeres dos mais afortunados 10.
Diante disso, Thompson questiona: “Se a muitos desses “pobres” se negava o acesso à educação, ao que mais eles podiam recorrer senão à transmissão oral, com sua pesada carga de costumes? ” 11.
Se o folclore no século XIX, ao separar os resíduos culturais do seu contexto, deixou ao mesmo tempo de perceber a função racional de muitos costumes. Muitos costumes eram endossados e freqüentemente reforçados pela pressão e protestos populares. Isso pode ser um artefato poderoso para a análise, ou seja, olhar o não dito, às vezes diz muito a um pesquisador.
No início do século XX, segundo Thompson, as coleções de canções folclóricas, danças e costumes na Inglaterra eram uma causa abraçada por intelectuais de esquerda. Mas nos anos 30, o quadro mudou. Com o ascenso do fascismo os estudos folclóricos passaram a ter uma ideologia profundamente reacionária ou racista. Mais recentemente, esses estudos foram retomados fora da universidade e só nos últimos anos ele foi retomado por esta 12.
Assim, o estudo do folclore feito nos séculos precedentes são testemunhos coletados por párocos e educados antiquários, que apesar dos silêncios, podem nos trazer muitas informações, que são descobertas com uma análise mais aprofundada e contextualizada, ou seja, um novo olhar, que o estudo cultural tanto exige de nós, pesquisadores. “Portanto, o que temos a fazer na Inglaterra é reexaminar o velho material há muito recolhido e fazer novas perguntas, procurando recuperar os costumes perdidos e as crenças que o embasavam”13. A análise antropológica se dá na construção de novos problemas e na visualização de velhos problemas em novas formas.
Thompson na obra, Peculiaridade dos Ingleses, vai trazer a tona o uso que pode ser feito de tais fontes, já que à medida que a elite sai da cena principal das análises, uma infinidade de atores sociais e acontecimentos vem trazer-nos uma nova perspectiva como tarefa.
Geralmente, um modo de descobrir normas surdas é examinar um episódio ou uma situação atípicos. Um motim ilumina as normas dos anos de tranqüilidade, e uma repentina quebra de deferência nos permite entender melhor os hábitos de consideração que foram quebrados. Isso pode valer tanto para a conduta pública e social quanto para atitudes mais íntimas e domésticas. (Thompson, 2001; p. 235)

Um caso muito interessante na obra de Thompson é o caso da venda das esposas na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX. Era uma espécie de ritual de venda, feito nos mercados públicos. A mulher entrava no recinto com uma coleira em torno ao seu pescoço ou cintura, as ofertas eram abertas ao público e, finalmente, selava-se a venda com a transferência da corda do vendedor para o comprador. O que Thompson conseguiu observar é que na grande maioria dos casos, tal ato era feito com o consentimento da esposa e o comprador da esposa já havia sido combinado anteriormente com o marido. Tal caso demonstra, se olharmos mais detidamente, que esse ritual era uma forma de divórcio em uma época onde o povo da Inglaterra não dispunha de nenhuma outra forma de desenlace matrimonial. Um outro caso, é a intensa participação feminina na vida social e econômica da época, onde muitas vezes eram estas que lideravam os motins. Nesse sentido, como Thompson afirma, o atípico pode servir para sondar as normas vigentes. “O significado de um ritual, só pode ser interpretado quando as fontes (algumas delas coletadas por folcloristas) deixam de ser olhadas como fragmento folclórico, uma sobrevivência, e são reinseridas no seu contexto total” 14.
No entanto, não podemos deixar de observar que a produção dessa cultura que contraria as regras não é feita sem contradições de classe. Essa talvez seja uma diferença entre a tradição da História sócio-econômica e a Antropologia.
O autor coloca a importância da história, principalmente a história cultural e social de se aproximar das ciências sociais, em especial a Antropologia, mas ao mesmo tempo, coloca os limites desse diálogo, ressaltando as características de cada área que acabam trazendo dificuldades teóricas para ambas. Para explicitar tais problemas, Thompson faz a seguinte suposição:

Supõe-se algumas vezes que a antropologia possa fazer descobertas não apenas acerca de sociedades particulares, mas sobre as sociedades em geral, que funções ou estruturas básicas tenham sido reveladas e que, por mais sofisticadas ou disfarçadas que possam estar nas sociedades modernas, ainda fundamentem as formas modernas. Entretanto, a história é uma disciplina do contexto e do processo: todo significado é um significado-dentro-de-um-contexto é, enquanto as estruturas mudam, velhas formas podem expressar funções novas, e funções velhas podem achar sua expressão em novas formas. (Thompson, 2001: p.243).

Portanto, a história não pode olhar os acontecimentos culturais dentro do contexto histórico de tempos em tempo. Com essa ligação da história com certas disciplinas sociais, que são em parte, explicitamente anti-históricas, ele questiona uma absorção total entre estas e a história socioeconômica, mas não só isso, com também (como é o caso da antropologia social), muitas vezes, além de serem anti-históricas, são com veemência, antieconômica. Para Thompson, “embora tais áreas levem em consideração a “vida material” proposta por Fernand Braudel, em geral seus temas, são ativamente resistentes ao econômico” 15. A história socioeconômica já dispõe de seus próprios conceitos e categorias, dentre estes, Thompson cita a tradição marxista e seus usos como: Capitalismo, ideologia e classe social. O autor coloca que tais conceitos alguma vezes sofrem resistência de disciplinas como a Antropologia, mas não deixa de considerar a importância do uso de tais arsenais teóricos para a análise do historiador. “Na minha própria atividade, descobri que não posso lidar com as congruências e com as contradições do processo histórico mais profundo sem observar os problemas revelados pelos antropólogos” 16.
No entanto, como ressalta Marcelo Badaró, no Brasil, é onde encontramos com maior freqüência as leituras de Thompson domesticadas pelo culturalismo. O autor é reivindicado como um dos modelos da história cultural por brasileiros, que chegam a defini-lo, como o faz Ronaldo Vainfas, como uma espécie de versão marxista da história cultural 17. Visões que carregam toda a sorte de reducionismos sobre o autor, como as afirmações de que ela parte de um marxismo convencional, para um conceito mais elástico e histórico-antropológico de cultura popular e que tal conceito se afasta da tradição marxista britânica. O próprio autor vai rebater com muita veemência as acusações de culturalismo, que foi utilizada por muitos autores que usaram-no em suas reflexões e que faziam uma aplicação de sua análise à estudos que não tinham um referencial marxista assumido. Cito:
Do ponto de vista aqui assumido, a dificuldade não está, portanto, no uso de referências a Thompson, mas justamente na tentativa de domesticar um autor que compartilha um referencial marxista assumido, que o leva a formular propostas interpretativas voltadas para a explicação de modos de dominação social em meio à dinâmica do conflito, da luta de classes. Pensar a classe através de Thompson, desprezando a luta de classes para chegar a uma idéia de consciência da classes trabalhadora como legitimamente representada na proposta política dos dominadores é, para dizer pouco, uma contradição. (Mattos, 2007; p.107)
Nesse aspecto, apesar de Thompson fornecer possibilidades enormes de análise é difícil fazê-la sem que tal apropriação seja descolada de elementos centrais na sua reflexão, como a questão da dominação e a dinâmica das lutas de classe.
É importante ressaltar, que apesar do autor fazer a crítica ao pouco uso do econômico por algumas disciplinas das ciências sociais. O autor, nem de longe reivindica uma primazia do econômico sobre os aspectos culturais. E apesar do autor reivindicar a centralidade do modo de produção para qualquer compreensão materialista da história, coloca a impossibilidade de descrever um modo de produção em termos “econômico”, pondo de lado, como secundária, a cultura.

Mal podemos começar a descrever as sociedades feudal ou capitalista em termos “econômicos”, independentemente das relações de poder e dominação, dos conceitos de direito de uso ou propriedade privada (e leis correspondentes), das normas culturalmente sancionadas e das necessidades culturalmente formadas características de um modo de produção. (Thompson, 2001; p.255).

É nesse caminho que Thompson produz Costumes em Comum, pois ao analisar a cultura popular da multidão e suas rebeliões na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, um dos objetivos do autor é mostrar que uma análise economicista pode provocar sérios erros, pois conduz a reduções e explicações esquemáticas. Por exemplo, Thompson ao analisar os motins, contesta a visão espasmódica vista por muitos autores, de que esses conflitos chamados de motins são simplesmente uma revolta pela fome vivida por esses trabalhadores. Thompson vai ver uma complexidade nesses movimentos que vai além inclusive da expressão de motim, caracterizando como rebelião, insurreição, onde é possível detectar em quase toda a ação popular do século XVIII uma noção legitimadora. Para o autor, o motim da fome na Inglaterra do século XVIII era uma forma altamente complexa de ação popular direta, disciplinada e com objetivos claros.
Esta perspectiva da não dissociação do econômico, do cultural e político, faz parte da própria construção teórica que Thompson faz, que é baseada na experiência de classe. Tal conceito tenta quebrar com a antiga fórmula, que de certa forma, favorecia a primazia do econômico nas análises de cunho marxista. Tal fórmula seria definida por Thompson como um marxismo vulgar.
A classe para Thompson acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus. Essa inovação quebra com a fórmula binária de entender a classe: meios de produção – trabalhadores, e introduz um novo elemento: a experiência.
Essa nova relação acontece da seguinte maneira: as relações sociais colocam os trabalhadores numa condição real de exploração. Essa exploração faz com que os trabalhadores compartilhem uma experiência de oposição de interesses aos de seus exploradores. A consciência de classe é a forma como essas experiências são elaboradas em termos culturais. Ou seja, a experiência é determinada pelos meios de produção, não a consciência de classe, que é o requisito para a própria classe no seu sentido maior.
Thompson deixa claro que privilegia a luta de classe em detrimento da classe, pois para ele a luta de classe é evidentemente um conceito histórico, pois implica um processo. Cito:
“As classes não existem como entidades separadas que olham ao redor, acham um inimigo de classe e partem para a batalha. Ao contrário, para mim, as pessoas se vêem numa sociedade estruturada de certo modo (por meio de relações de produção fundamentalmente), suportam a exploração (ou buscam manter poder sobre os explorados), identificam os nós dos interesses antagônicos, debatem-se em torno desses membros nós e, no curso de tal processo de luta, descobrem a si mesmas como uma classe, vindo, pois, a fazer a descoberta da sua consciência de classe. Classe e consciência de classe são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico real”. (Thompson, 2001; p. 274.)

Assim, Thompson coloca que uma classe não pode existir descolada da experiência de situações determinadas, onde a luta de classes é prioritário no processo de formação de uma classe. Junto a isso, o processo histórico é imprescindível para o entendimento da classe trabalhadora. O próprio conceito não possui significado se estiver descolado deste processo. Sem produção não há história, mas como Thompson afirma: sem cultura não há produção. Cito:
Significa que a transformação histórica acontece não por uma dada base ter dado a vida a uma superestrutura correspondente, mas pelo fato de as alterações nas relações produtivas serem vivenciadas na vida social e cultural, de repercutirem nas idéias e valores humanos e de serem questionadas nas ações, escolhas e crenças humanas. (Thompson, 2001: p. 263).

Não é possível que façamos um descolamento de estudos culturais dos processos econômicos, ou colocar um pouco de cada, eles existem intrinsecamente. Como disse um importante autor indiano, Aijaz Ahmad: “Não dá para simplesmente jogar um pouco de economia aqui, um pouco de tecnologia ali. Temos de ser capazes de situar os fatos individuais num processo histórico complexo, e, para isso, é preciso um preparo teórico muito considerável.” 18.
Nesse sentido, a importância e a responsabilidade que cada pesquisador que se dispõe a analisar a cultura torna-se cada vez maior, pois assim como, qualquer outra instância de análise devemos situar tal perspectiva dentro de contextos maiores, que abrangem a materialidade da vida. Seguindo a análise de Aijaz Ahmad, partiremos para concluir nossa reflexão:

Temos de voltar à idéia de que o objeto dos estudos culturais deveria ser não a cultura simplesmente como “regimes de prazer” (para usar a expressão de Foucault), mas a cultura como aqueles sistemas de comunicação que produzem sentidos determinados que transformam vidas reais, para o bem e para o mal. A cultura nesse sentido está profundamente implicada em práticas de dominação, de modo que constituir uma prática cultural de resistência é muito mais difícil do que geral se reconhece. (Ahmad, 2002; p. 222).
A partir da discussão do texto, fica claro que cultura é um termo complexo, que, ao reunir tantas atividades e atributos, pode na verdade confundir ou ocultar distinções que precisam ser feitas. Para que isso não ocorra, ou que pelo menos seja minimizado, será necessário desfazer tal complexidade e examinar com mais cuidado componentes como os ritos, os modos simbólicos, os atributos culturais da hegemonia, a transmissão do costume de geração para geração e o desenvolvimento do costume sob formas historicamente específicas das relações sociais e de trabalho, trazendo assim, uma melhor qualidade na análise dos estudos culturais a que nos propomos.


Referências Bibliográficas:

Ahmad, Aijaz. Linhagens do presente. São Paulo: Boitempo, 2002.

Ahmad, Aijaz. Cultura, nacionalismo e o papel dos intelectuais: uma entrevista. In: Linhagens do presente. São Paulo: Boitempo, 2002. p. 219-248.

Cevasco, Marisa Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo, 2003.

Fortes, Alexandre (org). Peculiaridades de E. P. Thompson. In: As Peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. Negro, Antonio Luigi e Silva, Sergio (orgs). Campinas, SP: Ed da UNICAMP, 2001

Mattos, Marcelo Badaró. E.P. Thompson no Brasil. Outubro, São Paulo, . n:14, p. Junho de 2007. p. 81-110.

THOMPSON. E. P. A formação da classe operária inglesa. 3 vols. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

Thompson, E.P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das letras, 1998.

Thompson, E.P. Introdução: costume e cultura. In: Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das letras, 1998. p. 13-24.

Thompson, E.P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001.

Thompson, E.P. Folclore, Antropologia e história social. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001. p. 227-267.
Vainfas, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: Cardoso, Ciro & Vainfas, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 127-162.


Notas:

1 Thompson, E.P. Introdução: costume e cultura. In: Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das letras, 1998. p. 13

2., Mattos, Marcelo Badaró. E.P. Thompson no Brasil. Outubro, São Paulo, . n:14, p. Junho de 2007. p. 81-110.

3. Thompson, E.P. Folclore, Antropologia e história social. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001. p. 229.

4. Cevasco, Marisa Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo, 2003. p. 80.

5. Fortes, Alexandre (org). Peculiaridades de E. P. Thompson. In: As Peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. Negro, Antonio Luigi e Silva, Sergio (orgs). Campinas, SP: Ed da UNICAMP, 2001.p. 29.

6. Thompson, E.P. Introdução: costume e cultura. In: Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das letras, 1998. p. 15.

7. Idem. p. 13-14.

8. Ibidem. P. 13-14

9. Thompson, E.P. Folclore, Antropologia e história social. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001. p. 231.
10. Thompson, E.P. Introdução: costume e cultura. In: Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das letras, 1998. p.14.

11. Idem. p. 16.

12. 9. Thompson, E.P. Folclore, Antropologia e história social. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001. p. 233.

13. Idem. p. 234

14. Ibidem. p.238.

15. Ibidem. p. 251

16. Ibidem. p. 263

17. Vainfas, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: Cardoso, Ciro & Vainfas, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 155

18. Ahmad, Aijaz. Cultura, nacionalismo e o papel dos intelectuais: uma entrevista. In: Linhagens do presente. São Paulo: Boitempo, 2002. p. 230