Dando continuidade a publicação das monografias dos alunos formandos do Curso de História publicamos dois novos textos: COLOMBO E O IMAGINÁRIO EUROPEU: O MARAVILHOSO NOVO MUNDO de Maria Aparecida dos Santos Gomes e A RAINHA NEGRA DO QUARITERE:
Teresa de Benguela e a Resistência Escrava no Mato Grosso do Século XVIII de Ulisses Ferreira da Silva Filho. Boa Leitura a todos!!!
Guilherme Guaral
Coordenador do Curso de História
UVA Cabo Frio
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
COLOMBO E O IMAGINÁRIO EUROPEU: O MARAVILHOSO NOVO MUNDO
CABO FRIO
2009
MARIA APARECIDA DOS SANTOS GOMES
COLOMBO E O IMAGINÁRIO EUROPEU: O MARAVILHOSO NOVO MUNDO
Monografia apresentada à Universidade Veiga de Almeida como requisito parcial à obtenção de grau em Licenciatura em História, sob orientação do Professor Ms. João Gilberto da Silva Carvalho.
CABO FRIO
2009
MARIA APARECIDA DOS SANTOS GOMES
COLOMBO E O IMAGINÁRIO EUROPEU: O MARAVILHOSO NOVO MUNDO
Monografia apresentada à Universidade Veiga de Almeida como requisito parcial à obtenção de grau em Licenciatura em História.
BANCA EXAMINADORA
Professor Ms. Guilherme José Motta Faria
Professor Ms. João Gilberto da silva Carvalho
Professor Paulo Roberto Pinto de Araújo
Cabo Frio
2009
Dedico este trabalho aos meus amados filhos, Erick dos Santos e Leandro Lênis dos Santos
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por conservar minha vida e conceder a força necessária para chegar até aqui.
Ao meu pai, Adão pelo apoio, carinho e palavras de ânimo durante este percurso. A minha mãe Carmo, por cuidar de mim e dos meus filhos em todos os momentos difíceis. Muito obrigada por estarem sempre ao meu lado.
Aos meus filhos Erick e Leandro, agradeço a compreensão que tiveram durante minha ausência.
Ao meu orientador João Gilberto, não só pela competência como também pela sensibilidade demonstrada como orientador e Mestre. Não tenho palavras para expressar minha gratidão.
A Professora Ângela Maia, pelo carinho e amizade, como também pelo incentivo ao longo do curso e nos momentos de dificuldade. Muito obrigada.
A todos os Mestres que contribuíram para meu aprimoramento intelectual e pessoal durante esses anos. Meus sinceros agradecimentos.
Aos colegas, amigos e companheiros dessa jornada, aqueles que deixarão saudades e aos que permanecerão fazendo parte da minha história. Muito obrigada pela alegria de tê-los conhecido.
A todos aqueles que me ajudaram e contribuíram direta e indiretamente no decorrer desses anos, tornando viável a concretização deste trabalho. Estarão sempre no meu coração, muito obrigada.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos. (Fernando Pessoa)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................07
1. O MARAVILHOSO IMAGINÁRIO DOS NAVEGANTES 09
2. COLOMBO E A VISÃO EDÊNICA 16
3. O DIÁRIO DAS MARAVILHAS 23
CONSIDERAÇÕES FINAIS 30
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFIAS 32
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar a sucessão de mudanças ocorridas no imaginário dos navegantes entre os séculos XV e XVI, tendo como foco as viagens de Cristóvão Colombo. Para tanto, será exposto um breve panorama dos eventos que propiciaram as Grandes Navegações e sua relação com as transformações do pensamento que anteriormente tinha as suas representações voltadas para mitos e lendas que, posteriormente começa a ser alterado. Como também, associado ao olhar de Colombo, conhecer o sentido do maravilhoso perante o deslumbramento do Novo Mundo.
Além das questões mencionadas, este trabalho tratará do imaginário dos navegantes europeus e da representação que eles tinham da terra, a qual era ligada a geografia medieval. Assim como o significado do termo maravilhoso tratado neste trabalho. Para tal será utilizado o livro de Tvetan Todorov (1993), Introdução à Literatura Fantástica. Em complemento a questão do imaginário, será utilizado o livro de Marillena Chauí (2000), Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária, vinculando o imaginário a religiosidade européia.
O livro de Stephen Greenblatt (1996), Possessões Maravilhosas, terá como finalidade associar a questão do deslumbramento de Colombo com a chegada ao Novo mundo ao sentido do maravilhoso, descrevendo seu constante desejo por terras e poder, além dos seus tratos com os nativos que constituíram desrespeito por seus hábitos e crenças.
De grande proveito também, será a obra de Sérgio Buarque de Holanda(2002), Visão do paraíso, ao esclarecer o mito referente ao Novo Mundo e sua vinculação com um novo paraíso terreal. A autora Laura de Mello e Souza (2009), em sua obra O Diabo e a Terra de Santa Cruz, também trata da visão edênica inserida nas Américas, e o seu uso como instrumento para favorecer os interesses dos colonizadores.
O livro de Zinka Ziebell (2002), Terra de Canibais, será utilizado para tratar da apropriação do eurocentrismo por Colombo, assim como a mudança na visão de Mundo a partir da conquista da América.
Os Diários da Descoberta da América (2007), escrito por Cristóvão Colombo será de fundamental importância para este trabalho, haja vista que, descreve as características do maravilhoso sob o olhar do homem que vivenciou tais experiências e se constituiu em personagem central da transição do imaginário Medieval para a Modernidade. Além de um registro da “descoberta” de um outro continente, narrado exatamente por este que viveu essas transformações.
1-O MARAVILHOSO IMAGINÁRIO DOS NAVEGANTES
A expansão do comércio europeu, assim como o desejo dos navegantes em desvendar os mistérios dos mares, foram motivações importantes para suplantarem seus medos. O imaginário do homem europeu do século XV é alimentado por relatos de viagens fantásticas a lugares esplendorosos e enigmáticos, como os relatados por Marco Polo. Mesmo temendo o desconhecido, partem em busca do maravilhoso, do “Paraíso” descrito na bíblia: “E plantou o senhor deus um jardim no Éden, do lado do oriental; e pôs ali o homem que tinha formado. E o senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista e boa para comida” (Gênesis 2:8,9).
Ao se observar os componentes simbólicos do mito do paraíso perdido, um lugar de justiça, perfeição e fartura, verifica-se que o desejo de alcançar tal lugar está presente na imaginação, nas vivências e principalmente no inconsciente do europeu. Com uma realidade da qual querem fugir e uma cultura embasada na religião, torna-se quase impossível não acreditar na possibilidade de encontrar o paraíso tão almejado, e há muito perdido.
O que é o Paraíso terrestre? Antes de tudo, o jardim perfeito: vegetação luxuriante e bela (flores e frutos perenes), feras dóceis e amigas ( em profusão inigualável, temperatura sempre amena [...], primavera eterna “contra o outono do mundo” de que falava o fim da Idade Média, referindo-se ao sentimento de declínio de um velho mundo e à esperança de restituição da origem, idéias vigorosamente retomadas pela Renascença, particularmente pelos neoplatônicos herméticos que, como Campanela elaboram utopias de cidades perfeitas guiadas pelo sol e pelos “sete planetas”(CHAUI, 2000, pp. 61-62).
Mas o que é o maravilhoso que estimula os navegantes e inspira os romances medievais, e como distinguir imaginário e realidade, se tal imaginário está intrinsecamente ligado ao homem e sua existência? O maravilhoso e é o fruto de experiências emocionais vividas no dia-a-dia dos descobridores, mas também nas “viagens” literárias que os apresentava a possibilidade de viver em um novo mundo. Tais relatos, aliado ao desejo de encontrar o lugar perfeito, servem de estímulo para enfrentar os desafios do desconhecido e partir em busca de riquezas e glórias, misturando realidade e ficção: “Colombo continuava buscando Cathay; onde estava a terra de tetos dourados descrita por marco Polo? [...] Ele não conseguia separar suas viagens das viagens reais ou imaginárias de Marco Polo” (FAERMAN, 2007, p. 22).
Segundo o dicionário Aurélio, o termo maravilhoso é um adjetivo que significa algo extraordinário, admirável, sobrenatural, o que causa ou encerra maravilha. A definição deste termo nos leva a crer que, o maravilhoso é alimentado por imagens, formadas e reproduzidas a partir dos desejos, tensões e do meio em que se vive, portanto relacionado aos aspectos sociais, cultura, linguagem, arte política ciência e mito. O homem encontra na narrativa a solução para questões que não podem ser explicadas de outra forma:
Ao falarmos em mito nós o tomamos não apenas no sentido etimológico de narração pública de feitos lendários da comunidade (...), mas também no sentido antropológico, no qual essa narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminho para serem resolvidos no nível da realidade (CHAUÍ, 2000, p. 9).
Para Tzvetan Todorov (1991), o maravilhoso é um dos gêneros da literatura do sobrenatural, na qual os fenômenos não dispõem de explicação: “A todas as variedades de maravilhoso “desculpado”, justificado, imperfeito, opõe-se o maravilhoso puro, que não se explica de maneira nenhuma” (TODOROV, 1991, p. 31). Ainda temos, segundo o autor, o gênero estranho e o fantástico muitas vezes misturando realidade e ficção, seguindo um critério dicotômico: “Ou o diabo é uma ilusão, um ser imaginário, ou ele existe realmente, como outros seres, com a diferença de que rara vez o encontra” (TODOROV, ibid, p. 15).
Observa-se também que as imagens desempenham um papel de destaque na construção das narrativas do maravilhoso, trazendo-nos a figura do herói, seja ele mítico de origem divina, que o torna superior, ou lendário, que é humano, mas admirado por conseguir sobrepujar os demais, através das suas ações tidas como maravilhosas. Exemplo disso é o personagem Robin Wood, conhecido herói inglês, o paladino que rouba dos ricos para dar aos pobres e que, embora não tendo poderes divinos ou armas mágicas, é envolvido por romance e vitórias espetaculares, representando principalmente a vitória do mais fraco sobre o mais forte.
Ao que parece as narrativas do maravilhoso exercem uma função social, pois, estão de modo geral expondo soluções aos problemas da sociedade que as criou. Desde a antiguidade, passando pela Grécia Clássica e Idade Média, o homem se vale do artifício das narrativas ou contos maravilhosos que giram em torno de uma problemática social. Como podemos observar nas histórias de Ali-babá e os Quarenta Ladrões, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, Simbad o Marujo e assim por diante. Observamos que todas essas narrativas se valem das imagens da qual dispõem, ou seja, o cenário e construído a partir do seu universo, construindo um mundo de tapetes voadores, portas mágicas e de um gênio que sai da lâmpada para realizar desejos, misturando realidade e ficção. Embora recorra a um conteúdo mágico e heróico, essas narrativas eram voltadas para os adultos, pois, a literatura infantil tem início no final do século XVII (ALBINO, 2009, p. 2).
Acreditar em histórias como as citadas anteriormente, mesmo hoje, pode nos parecer difícil ou quase impossível, pois, como acreditar em um tapete que voa? Mas se as enxergamos como uma metáfora se torna fácil acreditar no elemento mágico inserido nas histórias das Mil e Uma Noites que, segundo Todorov (1991), constitui o maravilhoso instrumental, cuja realização é totalmente viável embora tais recursos não estivessem disponíveis no momento da criação de tais narrativas como assevera o autor:
(...) o maravilhoso instrumental. Aparecem aqui pequenos gadgets , pequenos adiantamentos técnicos irrealizáveis na época descrita, mas depois de tudo, perfeitamente possíveis”. (...) esses instrumentos maravilhosos são ao princípio, um tapete mágico, uma maçã que cura, uma luneta de longo alcance; na atualidade, o helicóptero, os antibióticos ou as lentes longo alcance, dotados dessa mesma qualidade não dependem absolutamente do maravilhoso (TODOROV, 1991, p. 31).
As narrativas, desde a antiguidade são alimentadas por imagens simbólicas relacionadas ao divino ou ao humano, mas buscando sempre o conhecimento e o domínio sobre a vida. Tal busca constitui um desafio ao homem. Desafio cuja solução é obtida através da narrativa do maravilhoso que por sua vez alimenta a imaginação do leitor e o faz reportar as origens descritas na bíblia, onde os problemas parecem não existir. Se assim for, o mito do Éden aparece como ideologia que, oferece a solução dos problemas enfrentados pelo homem desde o início de sua história, por isso se repete:
(...) as ideologias, que necessariamente acompanham o movimento histórico da formação, se alimenta das representações produzidas pela fundação, atualizando-as para adequá-las à nova quadra histórica. É por isso, sob novas roupagens, o mito pode repetir-se indefinidamente (CHAUÍ, 2000, p. 10).
O mito edênico está presente na mente do europeu que, por diversas vezes tenta projetá-lo fisicamente, buscando identificar o paraíso geograficamente, não é simplesmente um recurso mental para fugir da realidade, faz parte de suas crenças. Tal crença é compartilhada com os demais europeus, ao ponto de estar presente nas obras do medievais, incluindo a cartografia da época:
A crença na realidade física e atual do Éden parecia então inabalável. (...) não se fazia sentir apenas em livros de devoção ou recreio, mas ainda nas descrições de viagens, reais e fictícias, como as de Manderville, e sobretudo nas obras dos cosmógrafos e cartógrafos. Do desejo explicável de atribuir-se, nas cartas geográficas, uma posição eminente ao Paraíso Terreal (...) (HOLANDA, 2002, p. 183).
Tendo como base a localização registrada na bíblia (GÊNESIS 2:10-14) e construído a partir das imagens religiosas e romances de cavalaria, o Éden constitui a solução para os problemas do homem, pois, que individuo, em pleno gozo de suas faculdades mentais, não deseja viver em meio a uma bela paisagem sem medos e preocupações? Tal condição é oferecida pelo paraíso, lugar ideal e perfeito:
O que é o Paraíso Terrestre? Antes de tudo, o jardim perfeito: vegetação luxuriante e bela (flores e frutos perenes), feras dóceis e amigas (em profusão inigualável), temperatura sempre amena (...) primavera eterna “contra o outono do mundo” de que falava o fim da Idade Média, referindo-se ao sentimento de declínio de um velho mundo e a esperança de restituição da origem (...) (CHAUÍ, 2000, p. 61).
Segundo a bíblia, o Jardim do Éden, com sua primavera eterna e vegetação luxuriante, oferecia aos moradores (Adão e Eva) a árvore da vida e a da ciência do bem e do mal. Proporcionando abundância de alimentos e paz eterna sem morte ou sofrimento (GÊNESIS 2:8,9). Os navegantes encontraram uma paisagem bem próxima à descrição bíblica, talvez por esse motivo a tenha relacionado ao Éden, embora tenham refletido seu imaginário não apenas no Novo Mundo, anteriormente já haviam feito tal relação, do paraíso, com o continente africano, o que consta nas viagens de Manderville. Reafirmando que a busca pelo Éden é uma constante no imaginário europeu, especialmente entre os conquistadores. Observando as narrativas, verificamos que, relacionado ao paraíso, existem outros eventos igualmente fantasiosos e fantásticos, um caminho repleto de perigos e criaturas monstruosas:
A idéia de que existe na terra, com efeito, algum sítio de bem-aventurança, só acessível aos mortais através de mil perigos e penas, manifestos, ora a aparência de uma região tenebrosa, ora de colunas ígneas que nos impedem alcança-lo, ou então de demônios ou pavorosos monstros (...) (HOLANDA, 2002, p. 24).
O imaginário é formado por imagens, e tal qual os mitos, possui realidade para quem nele acredita. No que se refere às narrativas de monstros e perigos, convém lembrar que os viajantes da Idade média estavam em lugares desconhecidos, de uma fauna e flora igualmente ignorada, seria compreensível atribuir-lhes nomes que descrevesse seu deslumbramento diante de tantas novidades. É provável que muitos dos perigos e monstros descritos sejam, infantis ao nosso tempo, mas para o homem medieval pode ter sido um elemento só explicado através de tal descrição, por não dispor de nenhuma referência para descrevê-los. No caso do Novo Mundo, a referência encontrada foi o Éden.
As Grandes Navegações foram impulsionadas pela busca de territórios, riquezas e glórias, mas os relatos de lugares repletos de inigualável beleza, o que fez o europeu sonhar com a possibilidade de regressar ao passado. Não no sentido de viajar no tempo ou regressar a outras vidas, mas de reencontrar o Paraíso Terreal cuja possibilidade de que ele ainda existisse, mas estaria protegido dos homens ímpios, era compartilhada pela maioria. Não podemos esquecer que o homem da Idade Média vive sob influência religiosa e que apesar da intolerância da Igreja inquiridora, durante muito tempo o imaginário do homem é alimentado pelas imagens originadas da sua fé que, por sua vez o leva a uma fascinante viagem através dos séculos, a procura de respostas para questões relacionadas a sua própria existência.
O imaginário do homem está relacionado ao seu meio, e as narrativas refletem suas vivências. Percebe-se que o individuo reage de forma peculiar ao desconhecido, embora embevecidos inicialmente, como no caso dos conquistadores do novo mundo, posteriormente tentam molda-los a partir das imagens a que estão acostumados. Refletindo no desconhecido o que lhes é conhecido, em nenhum momento preocupando-se em conhecer ou aceitar o outro:
(...) “praticamente inexistia reciprocidade no intercâmbio de representações entre os europeus e povos do Novo mundo, nenhuma igualdade do dar e receber” (TODOROV, 1991, p. 160).
Curiosamente, na ânsia de recuperar o paraíso, Colombo encontra vestígios do Éden onde, geograficamente, ele não poderia existir, pois, caso as informações sobre a localização do Éden bíblico seja um parâmetro a seguir, Colombo não poderia encontrá-lo nas terras conquistadas, uma vez que este não poderia se encontrar no ocidente. Mesmo não tendo conhecimento e que estava em tal continente, o Almirante estaria fora da área direcionada pela bíblia, pois ele imaginava ter alcançado as Índias: “Ele não sabe qual é a sua ordem política, mas acredita ter chegado às Índias (GREENBLATT, 1996, p. 49)”.
Como já citado, Colombo não foi o único a buscar o Éden bíblico, porém, o único a envolver o tomar posse, das terras “descobertas”, em um ritual de extensa formalidade. Embora tendo em mãos um salvo-conduto e cartas dos reis de Espanha autorizando-o a tal ato, Colombo, estrategicamente, se esforça para mantê-lo sob o controle do discurso por promover um cerimonial extremamente formal no intuito de legitimar sua possessão, com base no direito romano . Ele procura ignorar a presença dos nativos, pois, de outra forma, não teria como tomar posse das terras na presença de seus habitantes. Colombo, não leva em conta o outro, o índio, que habita sua conquista. Para ele o índio, no momento da posse, não existe:
De acordo com os conceitos medievais de lei natural, territórios desabitados tornam-se possessão de quem primeiro os descobre. Poderíamos dizer que o formalismo de Colombo tenta tornar as novas terras desabitadas pelo esvaziamento da categoria do outro. O outro existe apenas como um sinal vazio um zero (GREENBLATT, ibid, p. 46).
Colombo procurou justificar seu domínio sob o Novo Mundo, argumentando que precisavam de ajuda, já que os índios não tinham cultura, não eram civilizados e sim, pagãos cujas almas ele, como enviado por Deus, teria a obrigação de salvar. Para tanto, apropria-se do discurso eurocêntrico da superioridade: (...) que se manifesta num primeiro momento de expansão territorial, sob o signo do universalismo cristão (ZIEBELL, 2002, p. 30).
O imaginário refletido na América espanhola, foi um evento impar na história das Grandes Navegações. Porém é digno de nota que, na América portuguesa encontramos pontos bem semelhantes relacionados à visão do paraíso. Natureza exuberante, nativos nus e pacíficos nos fazendo remeter ao Éden, além do clima sempre ameno dos trópicos e o cobiçado ouro. A autora Laura de Mello e Souza (2009), embora em seu estudo tenha como foco a feitiçaria e práticas mágicas, discute sobre o imaginário do Éden refletido na terra de Santa Cruz. Mais uma vez reafirmando que a crença no paraíso terreal foi compartilhada pelos europeus da Idade Média. Infelizmente as semelhanças se estendem a falta de apreço pelo índio e sua cultura, impondo sobre eles o cristianismo, o idioma dos conquistadores e a escravidão.
A autora analisa documentos como a carta de Pero Vaz que, descreve a relação das novas terras encontradas assim como seus habitantes, os índios, com Jardim do Éden, onde Adão e Eva depois de expulsos deste, segundo a bíblia, são condenados ao trabalho árduo e isolamento (GÊNESIS 2: 19,23). Os índios seriam remanescentes do paraíso, os pecadores que precisavam ser purificados, a colonização serviu de pretexto para a conversão, ao mesmo tempo favoreceu os interesses dos políticos e comerciais dos colonizadores:
(...) a visão paradisíaca foi, nesse momento histórico instrumentalizada pelas camadas dirigentes (...). Povoar a colônia significava, também, purgar a metrópole: não apenas dos elementos humanos doentes, mas ainda das formas de exploração compulsória do trabalho (SOUZA, 1986, p. 372).
Todos os acontecimentos que envolveram a conquista e a colonização das Américas colaboraram para que ocorresse uma mudança no imaginário do homem. A fantasia e mistério que envolvia o novo mundo, no momento da conquista, fez com que se o europeu acreditasse na existência do Éden, no decorrer do tempo, as mesmas terras o fizeram acreditar na no oposto, levando-o a indagar-se se as novas terras abrigariam o paraíso ou o inferno: “A infernalização da colônia e sua inserção no conjunto dos mitos edênicos elaborados pelos europeus caminham juntas (SOUZA, ibid, p. 372)”.
2- COLOMBO E A VISÃO EDÊNICA
As literaturas que compõem o maravilhoso motivam os navegantes em especial, Cristóvão Colombo. Embora, o Novo Mundo fosse apenas uma promessa, presente apenas na mente e no desejo de fugir à realidade que os cercava, para Colombo era algo real, e sua obstinação o encoraja na busca e conquista de terras com que todos sonham. Ele não poderia imaginar que seria imortalizado e elevado à protagonista da história do novo e desconhecido mundo das Américas.
Um levantamento efetuado em 1988 apurou que haveria pelo menos 65 entidades geopolíticas nos Estados Unidos que usavam as palavras “Colombo”, “Coliumbia” ou alguma de suas variações em 37 estados [...], nos Estados Unidos supera todos o demais opõnimos, com exceção de Washington (SALE,1992, pp. 342-345).
O obstinado Colombo demora a conseguir os recursos para a tão almejada viagem, após cinco anos tentando conseguir apoio. Durante todo esse tempo, alimentado pelo seu sonho, mantinha em mente seu objetivo de alcançar novas terras e mesmo com o risco da própria morte, pois desafiava a inquisição por usar o argumento da esfericidade da terra além dos Cálculos de Toscanelli para conseguir financiamento para sua expedição. Depois de uma negativa em Portugal, o almirante procura os reis de Espanha, seus prováveis patrocinadores, e garante que chegaria ás Índias pelo oeste, uma rota oposta à conhecida na época. Antes só era possível chegar às Índias por mar, contornando o continente africano (o que levava cerca de um ano), ou por terra, mas se encontrava os turcos obstruindo o caminho dos cristãos. Tido por muitos como louco, Colombo, apesar da demora, consegue os recursos para a tão almejada viagem, a qual só acontece após uma audiência com os monarcas espanhóis.
A Espanha sofria transformações culturais e sociais em virtude do casamento de Fernando de Aragão e Isabel de Castela. Mesmo instituindo uma aliança entre os dois reinos, não se conseguiu um consenso em aspectos sociais e o ponto em comum foi a unidade da religião e por conseguinte a intolerância com outra fé, em particular atacando judeus e muçulmanos. Após retomar Granada e expulsar os mouros do território espanhol, a rainha Isabel autoriza Colombo a partir em sua expedição (DIÁRIOS, 2007, pp. 29,30).
A frota de Colombo é composta por três pequenos navios: eram duas caravelas, em torno de 18 a 21m de cumprimento, e cerca de 6m de largura, conhecidas como Pinta e Niña. A terceira, uma nau, conhecida como Santa Maria era mais larga e mais pesada que as caravelas, fato que desagradou bastante nosso Almirante (SALE, 1992, p. 12). Embora não estivesse satisfeito com sua embarcação, Colombo permanece firme no objetivo de alcançar as Índias, além de riquezas e glórias. Tal viagem em busca de novas terras, aliado aos interesses econômicos da monarquia que procurava especiarias, oferecem a possibilidade de encontrar o paraíso perdido, e através dele solucionar os problemas de uma Europa decadente. O maravilhoso novo mundo de paz e tranqüilidade tão sonhado começa se tornar realidade para Colombo.
Assim como seus contemporâneos, Colombo compartilhava do imaginário medieval sobre a existência de novas terras repletas de esplendorosas riquezas, acreditava na esfericidade da terra e não mediu esforços para provar sua hipótese de que alcançaria as Índias pelo oeste. Mas o que dizer de Colombo? Seria um louco inconseqüente, que delirava com a possibilidade de encontrar novas rotas e terras? Colombo foi um homem do seu tempo que buscava solucionar problemas e realizar sonhos. Vivia em uma Europa repleta de conflitos e a idéia de fim do mundo era cogitada com freqüência, até mesmo Colombo chegou a prever uma data . As Grandes Navegações foi conseqüência deste contexto pouco promissor.
Colombo era um homem enérgico, extremamente religioso além de grande navegador e cartógrafo. Qualidades que, aliadas a sua imaginação, perseverança e o desejo irredutível de provar a veracidade da sua hipótese, não só o levam as terras do Novo Mundo, como também o perpetuaram como um dos maiores personagens da história. Embora tenha morrido em relativo esquecimento, é um erro pensar que os feitos de Colombo não tenham tido reconhecimento em sua época, como assevera Sale: “É evidente, então, que em meados do século XVI o europeu culto podia ter uma idéia muito boa sobre a verdade a respeito “das novas terras encontradas” (...), Colombo foi uma figura de grande renome, pelo menos entre aqueles que se interessariam por novas explorações (SALE, ibid, p 218).
O status conferido a Colombo, também pode ser observado através da biografia escrita, supostamente na década de 1430, por seu filho Fernando e usada como referência por muitos estudiosos. Além disso, alguns poemas escritos no século XVI honram Colombo e seus feitos, sendo o mais significativo de autoria de Torquato Tasso que dedica um trecho de sua obra a Colombo. Embora pequeno, o poema consiste em uma homenagem incomum e só conferida a grandes homens, nos demonstrando a importância deste navegante como podemos observar no referido trecho:
Um cavaleiro de Gênova ousará,
Nessa maravilhosa viagem, ser o primeiro.
Nem ventos nem ondas que os navios cortam,
Nem mares ignotos, estranhos climas, ou águas hostis,
Nem perigo nem assombro
Que fazem tremer e curvar frágeis corações,
No estreito de Gibraltar deterão
O nobre espírito do intrépido navegante.
Teu navio, Colombo, abrirá as velas
Qual asas sobre mundo que ainda mentiras oculta.
A esquiva e transitória Fama só mais tarde tuas loas cantará,
Através de suas milhares de plumas e olhos:
Que cante hoje Baco e Alcides,
De ti que para as idades futuras isto baste:
Que algum augúrio apenas dê de teus atos,
Que em versos e história nobre viverão .
Colombo tornando-se um mito, uma lenda cuja vida e personalidade são tema de controvérsias entre historiadores ao mesmo tempo que exerce fascínio entre eles. Um homem que entrelaça a realidade e imaginário, introduzindo um mundo de fantasias no mundo real. Ao desembarcar em novas terras começa desenvolver sua trama, instaurando um ritual de posse. Pois, para Colombo, o tomar posse envolvia mais que uma cerimônia verbal, por isso certificou-se da presença do escrivão, que acompanhava a frota, para que tudo fosse assentado por escrito e assim tivessem maior credibilidade. Toda pompa da cerimônia de posse, tem por objetivo tornar a ocasião o mais formal e legal possível, sua execução é feita por homens que tem as formalidades como parte de sua cultura:
O Almirante Chamou os capitães e os outros que tinham desembarcado e Rodrigo Escobedo, Escrivão da frota, e Rodrigo Sanchez de Segovia, e pediu que eles prestassem testemunho fiel de que ele tomara posse da ilha- o que ele fez – para seus soberanos e senhores, o Rei e a Rainha. Em seguida fez as declarações exigidas, que estão registradas de maneira mais extensa na prova então feita por escrito (GREENBLATT, 1989, p. 45).
Os índios não tinham como contestar, já que não sabiam o que estava acontecendo, eram expectadores ignorantes aos atos de Colombo e o significado da cerimônia. Sendo assim, por que marcar esse momento com tantas formalidades? Colombo, toma posse das novas terras embasado no direito romano, como fazê-lo na presença dos nativos? Preocupando-se não com os índios, mas sim com os demais reinos que poderiam contestar sua possessão, procurou conferir legalidade à sua posse com a sentença: “(...) e não fui contradito (GREENBLATT, ibide, pp. 43,45)”.
A sensação de mistério diante do desconhecido colabora com o imaginário de Colombo no tocante ao paraíso. Maravilhado com a natureza esplendorosa e os habitantes das terras, inicia uma viagem exploratória. A cada ilha visitada, Colombo se entusiasma ainda mais perante tão deslumbrante paisagem e, mesclando sonho e realidade encontra vestígios do mito edênico e tenta localiza-lo: “(...) Colombo tentara situar o Paraíso Terrestre (...). De semelhante espetáculo, porém, onde o real e o fantástico parecem fundir-se, deveria nascer o ambiente mais propício ao mito (HOLANDA, 2002, p. 30)”.
Ao percorre as terras conquistadas o deslumbramento de Colombo, já evidente na chegada, aumenta à medida que conhece seus domínios. Embevecido perante a natureza, continuamente a descreve como maravilhosa e, repetidas vezes, tenta identificá-las com a natureza européia. Não só a flora, mais também a fauna foi identificada, equivocadamente, por Colombo como sendo espécies conhecidas. Para Sale (1992), a ignorância de Colombo ou suas limitações em identificar a natureza dos trópicos, não era apenas dele, mas de vários descobridores, uma vez que seu interesse pela natureza se limita à exploração comercial. É provável que o termo maravilhoso tenha sido usado continuamente por Colombo, não por falta de vocabulário ou desinteresse, mas sim por ser o único termo capaz de expressar seu assombro perante tamanha exuberância:
Mas, como essas passagens sugerem, não é simplesmente o reconhecimento do incomum que constitui uma maravilha, mas um certo exagero, uma intensidade hiperbólica, um sentido de deleite estupefato (GREENBLATT, 1989, p. 54).
Ao desembarcar, Colombo e os demais são recepcionados de forma pacífica e hospitaleira, encarando a recepção pacífica dos índios como uma forma de submissão. E em seus diários comenta que seria fácil convertê-los ao cristianismo. Curioso é o fato de que, mesmo alegando ter a conversão como seu principal objetivo, não havia nenhum religioso a bordo: “(...) não havia monges a bordo, nenhum missionário, nem padres, nem homem hábito de qualquer tipo (SALE, 1992, p. 15)”. seus atos de fala são significativos
Nos dias que se seguem, Colombo continua sua viagem exploratória e ao mesmo tempo mantém o ritual de posse. Erigindo uma cruz em todos os lugares em que julgava ser adequado buscando, através desse simbolismo, instaurar a fé católica, a qual era seguidor fervoroso e um dos argumentos que tornou possível sua viagem, assim como legitimar sua possessão. Tanto empenho para tal fim pode nos parecer desnecessário, porém um ponto relevante é o fato de Colombo estar em constante disputa de autoridade, em especial com Martín Pizón. Os atos de fala de Colombo podem ter constituído uma momentânea vitória, não só sobre Pizón, como também sobre os demais acompanhantes.
Acreditando estar nas Índias, mas ao mesmo tempo tendo a certeza de ter encontrado o Éden, o que foi registrado posteriormente em seus diários, Colombo segue maravilhado com a natureza esplendorosa. Porém o imaginário de Colombo e suas expectativas em relação ao Éden não eram absurdas, tal concepção é condizente com a de seus contemporâneos:
Mas Colombo não estava tão longe de certas concepções correntes durante a Idade Média acerca da realidade física do Éden que descresse de sua existência em algum lugar do globo. E nada o desprendia da idéia, verdadeiramente obsessiva em seus escritos, de que precisamente as novas Índias, para onde o guiara a mão da Providência, se situavam na orla do Paraíso Terreal (HOLANDA, 2002, p. 19).
Contudo, a visão de paraíso aos poucos se modifica, à medida que começam a surgir os problemas dessa nova terra, entre os quais está o choque de culturas, tramas de fundo político e principalmente a ganância daqueles que se preocupam apenas com a extração do ouro. As modificações começam a tornarem-se evidentes e por ironia, o imaginário deixa de ser um sonho e começa a se transformar em pesadelo.
A nudez dos índios, pode ter feito Colombo relaciona-los a Adão e Eva, segundo a bíblia, habitantes do paraíso original (GÊNESIS 2:25), mas ao mesmo tempo constituiu um desafio, pois, a nudez causava um certo desconforto aos europeus que a encaravam como algo proveniente de povos pagãos, posteriormente procurou vesti-los e batizá-los, o que considerou um ato piedoso (DIÁRIOS, 2000, p. 133). Outro desafio para Colombo, embora os índios não oferecessem nenhum perigo a ele ou sua tripulação, é comunicar-se. Ele preferiu ignorar a língua dos índios comunicando-se através de gestos, e posteriormente procura ensina-los a língua dos conquistadores, como registrado por Colombo em sua primeira carta aos reis de Espanha. Porém este é um fato menor diante da caça e escravização dos índios.
As modificações não se limitam aos habitantes. Colombo começa a atribuir nomes a sua conquista. Segundo alguns comentaristas medievais o ato de atribuir nomes representa um ato de conhecimento e está ligado ao poder (MAINKA, 2009, p. 56). Colombo muda seu próprio nome na tentativa de apropriar-se desse conhecimento, se incumbindo do papel de Adão.
Derrubando árvores e introduzindo animais, no intuito de prover alimentos, começa a modificar a paisagem. A introdução dos animais não só ocasionou doenças entre os nativos que não possuíam anticorpos, como também colaborou com a falta de alimentos que, de certa forma, passou a ser compartilhada com os animais, levando a destruição da plantação e os índios a óbito: “Todos esses animais vorazes naturalmente dominaram e em seguida destruira rápida e completamente, os habitantes nativos, com ou sem ajuda humana (SALE, 1992, p. 159)”. Embora ações de Colombo não tenham sido tão maravilhosas, ele mantêm esse vinculo imaginário para explicar suas ações no novo mundo, assim como justifica-las aos reis de Espanha: “Colombo não usa o discurso do maravilhoso para criar uma amnésia momentânea sobre suas ações; ele induz uma amnésia momentânea sobre suas ações para criar o discurso do maravilhoso (GREENBLATT, 1989, p. 52).
Colombo, que sonhava com o Éden, parece vivenciar uma aparente contraposição. Constrói casarões, dentre eles sua própria moradia, matas são queimadas dando lugar às pastagens e lavouras, além disso procura aumentar continuamente a extração do ouro. Ele toma como discurso à necessidade de levar aos índios a fé cristã, ao mesmo tempo deixa transparecer, através das suas ações, seus anseios de poder e riqueza. Mas o que é aparentemente oposto acaba por ser complemento:
Seria um erro pensar que se trata simplesmente de desejos opostos – o lado espiritual de Colombo em guerra com seu lado carnal - , pois toda a realização do discurso de do imperialismo cristão consiste em representar os desejos como conversíveis e em constante processo de permuta. Fossem esses desejos realmente idênticos, Colombo não teria necessidade de articular todas as maneiras em que eles se cruzam dois a dois; fossem eles realmente opostos, ele não seria capaz de trocar um pelo outro (GREENBLATT, ibid, p. 51).
Colombo, alegava ouvir a voz de Deus acreditando ter uma missão divina e, ao mesmo tempo, rodeado de misticismos. Além disso, almejava as recompensas financeiras e as glórias em reconhecimento a seus feitos. Tentar entender as ações e personalidade complexa de Colombo, pode deixar-nos confusos e ao mesmo tempo fascinados, mas independente de compreendê-lo, é inegável o fato de que protagonizou um dos maiores feitos da história universal. Embora o paraíso tenha existido apenas no imaginário deste navegante, ele indubitavelmente presenteou a humanidade através de seus feitos, contribuindo grandemente para as transformações ocorridas nos séculos que se seguem ao “descobrimento” das Américas.
A Europa esperava o fim do mundo e ao se inserir novos mares e outro continente na terra conhecida até então, muda-se a visão do homem em relação às dimensões da terra, mitos,lendas e monstros. Os temores e imaginados começam ser desvendados e até mesmo os escritos, as narrativas do maravilhoso começam a se confrontar com o moderno. A Europa deixa de ser o centro do mundo e o olhar sobre as relações culturais e ideológicas começa a se voltar para o outro lado do Ocidente:
A partir dessa perspectiva, a identificação de um novo continente a objetivos míticos preenche uma função de transposição de paradigmas que seguem linearmente o esquema tradicional de tudo que é novo e desconhecido, característico na história européia (ZIEBELL, 2002, p. 41).
3- O DIÁRIO DAS MARAVILHAS
Após as dificuldades, Colombo inicia sua viagem buscando concretizar seus sonhos. A partir desse momento enfrenta mais um obstáculo: conquistar a confiança de sua tripulação. Embora fosse navegador experiente, pois, vivia no mar desde a infância, a tarefa não é tão simples, pois, Colombo era encarado por muitos como louco, além disso, era homem de poucas palavras e normalmente caminhava sozinho pelas ruas. Tal preferência se deve ao fato de, além a loucura atribuída a ele, o terem como um sonhador aventureiro:
Mas quando caminhava sozinho, evitava as ruas movimentadas. As ruas solitárias evitavam, para ele, o ar de zombaria dos cortesões que recriminavam nos cochichos o gosto real por um aventureiro que só falava sandices (FAERMAN, 2007, p. 15).
As ordens dos monarcas espanhóis, de serem fornecidas embarcações para a viagem de Colombo, recebeu o desagrado dos proprietários de Palos, que encaravam a viagem como arriscada. Porém, com a aprovação da família Pinzón e, o próprio Martín Pinzón no comando de uma das embarcações, a Pinta, a viagem tem parecer favorável. Insatisfeito com sua embarcação, tida como pesada, ele preferia viajar nas caravelas. Colombo enfrenta as divergências dos pilotos das três embarcações, com seu habitual espírito obstinado. Em 3 de agosto de 1492, Colombo e sua tripulação, levantam ancora e partem da Vila de Palos dando início a sonhada busca de novas terras.
Colombo parte com três embarcações, passa pelas ilhas Canárias e posteriormente chega às Bahamas acreditando ter alcançado às Índias. Os registros de desta viagem, é composto por várias passagens dignas de nota, pois, configura bem o imaginário europeu e sua relação com o paraíso: O maravilhoso dos romances de cavalaria e das viagens de marco Polo, parece acompanhar Colombo em seus relatos, ao mesmo tempo nos presenteia com histórias de criaturas sobrenaturais como monstros marinhos e sereias, o que proporciona ao leitor enorme deleite.
No início de seus registros, Colombo pouco tem a relatar além dos medos e divergências da tripulação, limita-se aos aspectos irrelevantes como a salinidade da água, um pássaro que pousa na embarcação e avarias que por ventura acontecem, além de a necessidade de consertá-las. Colombo procura também ocultar de seus tripulantes a verdadeira extensão percorrida, sempre procurava registrar menos: “Navegou dia e noite, mantendo-se na rota do oeste, percorreram quatorze léguas e meia. Registrou-se doze. Um alcatraz veio até o navio e também vieram muitos pintarroxos (DIÁRIOS, 2007, p. 39)”.
Colombo é o principal personagem nos relatos descritos, mas curiosamente, os registros são narrados na terceira pessoa, como se Colombo fosse apenas um espectador dos eventos e não partícipe dele: “Todas as palavras que acabo de transcrever são do Almirante e nelas refletem as impressões que colheu no primeiro contato com os índios (DIÁRIOS,ibid, p. 47).
Com um imaginário repleto de mitos e lendas, os marinheiros temiam os eventos da natureza, como ventos, vulcões, um cometa atravessando o céu e até mesmo um barco naufragado, era encarando como mau presságio. Os marinheiros estavam atemorizados pelas dificuldades das embarcações e com o que consideravam maus presságios, mas começam a visualizar um oceano maravilhoso, de águas cada vez mais quentes, com ervas e pássaros aparecendo a sua volta. Fato que os fez acreditar estarem perto de terra firme: E eram os frutos de ervas muito verdes que davam mais esperança aos marinheiros: “Pareciam destacados a pouco da terra (FAERMAN, 2007, pp. 10,11)”.
Era início de outubro, o mar estava calmo, e pouco havia para ser registrado nos diários. Em 11 de outubro de 1492, às dez horas da noite avistam sinais terra, às duas horas da madrugada do dia 12, o surgimento de terra é confirmado. Ao amanhecer desembarcam na praia maravilhados com a beleza de árvores, abundância de águas e frutas, em meio a tal exuberância, Colombo empunhou a bandeira real e tomou posse das novas terras, em nome dos Reis de Espanha:
O Almirante empunhou a bandeira real e os comandantes as duas bandeiras da Cruz Verde, que o Almirante levava como emblema em todos os navios, com um F e um Y (...). Ao desembarcar viram árvores muito verdes, muitas águas e frutas de várias espécies. O Almirante chamou os dois comandantes e demais acompanhantes (...), e pediu que lhe dessem por fé e testemunho como ele, diante de todos, tomava, como de fato tomou, posse da dita ilha em nome de El-Rei e Rainha (...) (FAERMAN, ibidem, p. 46).
Fascinado com a natureza e os nativos, Colombo começa a descrever as maravilhas das Américas e a recepção calorosa dos índios. Ao narrar suas experiências, Colombo nos deixa mais que um registro, um poema ao descrever o novo mundo: “Colombo busca o ouro mas escreve como um poeta (FAERMAN, ibidem, p. 18)”. Seu diário nos leva a acompanhá-lo através de narrativas, tamanho o fascínio e magia de seus escritos, como podemos constatar:
Uns nos traziam água; outros; coisas de comer, outros ainda, quando viam que ninguém pretendia se aproximar da terra, lançavam-se ao mar e vinham nadando, e entendíamos que nos perguntavam se tínhamos vindo do céu. E também apareceu um velho na parte inferior do batel e outros, em altos brados, chamavam todos os homens e mulheres:
- Venham ver os homens que chegaram do céu; tragam-lhes de comer e beber (DIÁRIOS, 2007, p. 49).
Ao mesmo tempo em que se intriga pelos mistérios de uma nova terra, Colombo segue extasiado diante de inigualável e inexplorada beleza. Sempre inserindo as palavras maravilha ou maravilhoso em sues registros, Colombo se esforça para descrever seu encanto pelas terras conquistadas:
Aqui Tem grandes lagunas e, dentro delas e em volta, o arvoredo é uma maravilha, e aqui em toda ilha está tudo verde e as folhagens lembram o mês de abril em Andaluzia; e o canto dos passarinhos dá vontade de nunca ir embora, e bandos de papagaios chegam a escurecer o sol; e há tantas espécies de aves e passarinhos, e tão diferentes dos nossos, que deslumbra a vista (DIÁRIOS, ibid, p. 56).
Na noite anterior ao dia 6 de novembro, Colombo envia dois emissários espanhóis para explorar o interior de uma ilha e, ao retornarem continua, cada vez mais encantado, a fazer seu registro e interpretando, segundo sua imaginação, o significado das reações e sentimentos dos nativos:
Ontem à noite, diz o Almirante, chegaram os dois espanhóis que tinha mandado para ver o interior da terra, e lhe contaram que depois de andar doze léguas chegaram a um povoado de cinqüenta casas, onde havia mil vizinhos porque moram muitos debaixo do mesmo teto. E que tinham sido recebidos da maneira mais solene, segundo o costume local; queriam tocar neles e lhes beijavam as mãos e os pés, maravilhando-se e acreditando que vinham do céu (DIÁRIOS, ibidem, p. 63).
Provavelmente tendo os escritos de Marco Polo em mente, Colombo busca cada vez mais relacionar a paisagem ao paraíso. Seguindo entre o real e o imaginário, ele escreve aos reis de Espanha sobre a beleza do porto que encontra, extremamente fundo e largo, e faz referência ao Oriente, além de insinuar que neste lugar continha de grandes riquezas:
Depois de ter feito sessenta e quatro milhas assim, achou uma foz bem funda, com largura de quarto de milha, com bom porto e rio, onde entrou, colocando a proa a sul-sudeste e depois a sul até chegar a sudeste, quando enxergou tantas ilhas que nem dava para contar todas; e diz que acreditava que sejam aquela infinidade que nos mapa-múndi se situam nos confins do oriente. E disse que se achava que continham grandes riquezas, pedras preciosas e especiarias (DIÁRIOS, ibidem, p. 66).
Em 16 de novembro, Colombo continua a percorrer o litoral das novas terras e como fez nos lugares pelos quais passou desde sua chegada, erigiu uma cruz simbolizando sua fé e firmando sua possessão, além de se admirar com os frutos do mar, a ponto de providenciar que se envie amostras para a Espanha. Para Colombo, tudo constituía em um momento impar:
E numa ponta de terra encontrou dois enormes pedaços de madeira, um maior do que outro, e, colocando-os um sobre o outro, fez uma cruz tão proporcional que nenhum carpinteiro seria capas de fazer semelhante. E adorada essa cruz, mandou fazer da mesma madeira outra igual, ainda maior e mais alta. (...) encontrou índios que levavam consigo pescado caracóis imensos que tem naqueles mares, e fez a tripulação mergulhar para ver se achava madrepérolas, (...). Pescaram também com redes e encontraram um peixe, entre outros que se assemelhava a um verdadeiro porco (...). Mandou salgá-lo para levar e mostrar aos soberanos (DIÁRIOS, ibidem, pp. 66,67).
Permanecendo no intuito de desvendar os mistérios do novo mundo, Colombo continua presenteando os nativos, encontrando povoados, portos, planícies, montanhas e rios. Sempre mantendo em mente a visão do paraíso e enxergando o belo em todo lugar pelo qual navega:
Entrou com os barcos por um grande rio, e viu algumas casas e a várzea grande onde estavam os povoados, e disse que nunca tinha visto coisa mais linda (...). Denominou a várzea de “Valle Del Paraíso” e o rio de “Guadalquivir”, porque diz que aqui é tão largo como o Guadalquivir9 quando passa o Córdoba. (...) não há ninguém que capaz de exprimir em palavras e que só pode acreditar quem já vil (DIÁRIOS, ibidem, p. 79).
No dia 25 de dezembro é registrado um grande incidente, a nau de Colombo encalha e, sem ter mais o que fazer, o Almirante ordena que para que descarreguem e deixe em segurança toda a carga. O ocorrido deixa Colombo muito contristado, porém, após se recuperar do dissabor, ele continua sua viagem de encantamento. Sempre descrevendo as maravilhas da natureza e de seu imaginário:
Nessa terra toda há muitas tartarugas, que os marinheiros capturaram em Monte Cristi, quando vinham desovar em terra, e eram enormes, feito grandes escudos de madeira. Ontem, quando o Almirante ia ao Rio Del Oro, diz que viu três sereias que saltaram bem alto, acima do mar, mas não eram tão bonitas como pintam, e que, de certo modo, tinham cara de homem (DIÁRIOS, ibidem, p. 95).
No dia 9 de janeiro de 1493 Colombo relata ter visto sereias, aparentemente um relato surreal de uma criatura sobrenatural, mas as criaturas disformes sempre fizeram parte do imaginário humano e visões não só de sereias, como também de outras criaturas sobrenaturais é algo freqüente na história humana. Colombo não só afirma tê-las visto, como fornece detalhes de sua aparência: “Ontem, quando o almirante ia ao Río del Oro, diz que viu sereias que saltavam bem alto, acima do mar, mas não eram tão bonitas como pintam, e que tinham cara de homem (DIÁRIOS, ibidem, p. 95)".
Durante sua viagem de retorno, Colombo continua narrando as maravilhas encontradas durante sua expedição e permanece acreditando na existência do Éden que ao enfrentar tempestades, comenta que nas novas terras não encontrou problemas para navegar, algo que relaciona ao paraíso:
Disse que estava assombrado com todo esse mau tempo que fazia nessas ilhas e paragens, porque nas Índias andou meses a fio sem necessidade de ancorar, e sempre encontrava tempo bom (...), o Paraíso terrestre está nos confins do Oriente, porque é um lugar temperadíssimo. De modo que as terras, agora descobertas, são os confins do Oriente (DIÁRIOS, ibidem, p. 116).
Antes de iniciar os preparativos para sua segunda viagem, Colombo é nomeado Vice-Rei e Governador Geral das Índias. Desta vez ele recebe uma frota de 17 navios e cerca de mil e duzentos homens, entre marinheiros, colonos e soldados. Navegam 39 dias e atingem Dominica, também encontram as Antilhas e, após fundar a colônia, retorna a Espanha. Colombo, com base nos eclipses e nas experiências de Ptolomeu e outros, não duvidava da esfericidade da terra, porém, o homem que empreendeu uma viagem para provar que a terra é redonda, em suas construções imaginárias, começa a atribuir ao planeta o formato de uma pêra (DIÁRIOS, ibidem, p. 147).
Em 30 de maio de 1498, Colombo parte em sua terceira viagem, desta vez comandando uma frota de 6 barcos. Em virtude dos conflitos entre os colonos Colombo perde o título de Governador Geral das Índias, é acorrentado e levado de volta à Espanha como prisioneiro, sendo libertado após seis semanas. Em carta aos reis, relembra os serviços prestados a cora espanhola e procura justificar suas ações, novamente argumenta que o motivo principal de suas expedições é a conversão ao cristianismo.
A partida da quarta viagem de Colombo ocorre em maio de 1502. Mesmo doente, gozando de pouco prestígio e sem o vigor das primeiras viagens, consegue reunir quatro singelas embarcações, mas depois de chegar à costa do Panamá teve que retornar à Espanha em virtude do péssimo estado das embarcações e seu delicado estado de saúde. Sem alcançar seu sonho de chegar ao Oriente, morre em 1506.
Os diários de Colombo, narram sua experiência como grande navegador e conquistador, trazendo uma reflexão sobre o significado do imaginário para este grande homem. Fruto da sua imaginação, a viagem em direção ao oriente não se concretizou, mas ele estava certo: é possível alcançar o leste pelo oeste. Nos séculos XV e XVI, embora já adotada por muitos, a idéia de circunferência da terra era quase um delírio, porém tal fato foi comprovado, a terra é de fato redonda. Todos os fatos relatados em seus diários realmente aconteceram e representa, de certa forma, a realidade, mas não podemos esquecer que muito do que foi relatado estava sob influência do imaginário e da interpretação de Colombo. De qualquer forma, é um significativo relato das viagens, em especial sua primeira, e do convívio com os índios além das tentativas de cristianiza-los.
Tal relato histórico com ares de literatura, pode não nos fornecer informações precisas no tocante aos eventos ocorridos, mas nos evidência não só no imaginário dos navegantes, como também suas transformações em virtude dos “descobrimentos”. Tal relato, sem dúvida nos ajuda a perceber a influência do imaginário nas ações deste que se constituiu no elo entre o feudalismo e o capitalismo, mudando a maneira de enxergar o mundo e o que antes era conhecido como mares, mares estes desbravados pelo incomparável navegador Cristóvão Colombo que, em 1501 em uma carta dirigida aos reis espanhóis, faz a seguinte declaração: “Todos os mares em que hoje se navega, eu os percorri” (DIÁRIOS, ibidem, capa).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento deste trabalho, nos possibilitou a compreensão do maravilhoso e sua influência no imaginário ocidental. Tornam-se também evidentes as implicações da visão eurocêntrica de mundo à época dos “descobrimentos” e que levou os conquistadores a sentirem-se no direito de dominar os habitantes da América, por ocasião da “conquista”. Os índios exóticos, luxuriosos e muito diferentes da cultura européia, não se encaixavam nos padrões europeus e foram considerados inferiores. Não houve preocupação em entender a realidade do “outro”, o que mostra bem a facilidade do homem para enxergar o apenas o “eu” e, através deste justificar suas ações. Além disso, a natureza que era considerada magnífica, contrastante com a da Europa do período em questão, começa a ser destruída, mostrando que os erros são repetidos sem que se perceba.
Colombo era um homem de seu tempo – afirmação praticamente óbvia. Todos nós somos produtos de um tempo, mas tal como nós mesmos – que nos seja permitida a comparação – Colombo viveu em um tempo de transição. Abriu as portas do oceano e ao encontrar o Novo Mundo nos mostrou não só aquele que via mas também quem viu. Foi um homem medieval no espírito e renascentista nas ambições. Um cavaleiro sobre os mares que acreditava nas lendas bíblicas ao mesmo tempo que portava os instrumentos mais avançados de sua época. Então, religião e ciência, comércio e mercês – um homem dividido e que se maravilhava a cada “conquista” ou, deveríamos dizer, saque.
A necessidade do ser humano em busca do conhecimento acerca do universo, também foi percebida, pois, embora envolvidos pelo medo de mitos, lendas e crenças religiosas, empreenderam as viagens tentando desvendar os mistérios que os cercavam. Quanto a Colombo, percebe-se a magnitude de seus feitos, mas também que as “verdades” podem ser construídas de acordo com a conveniência da cultura que as criou. Embora sempre soubesse que na história não existe verdade absoluta, ao concluir este trabalho percebo o quão verdadeiro isso é. Colombo que teve sua vida voltada para suas convicções, além de ser estudioso e talentoso como cartógrafo e, como não bastasse, realizou uma viagem que mudou toda história, apesar disso não era considerado um homem especial e foi condenado ao esquecimento durante seus dias. Mesmo hoje não tem o reconhecimento de seus feitos como unanimidade.
Observa-se ainda que a história de Colombo demonstra que é possível concretizar sonhos, porém devemos ser dotados de inúmeras virtudes, como determinação e perseverança. Colombo faleceu sem receber as glórias pelos seus feitos, mas dedicou sua vida à tentativa de realizar seus sonhos e tentar provar que sua tese estava certa. Mostrou que os caminhos podem ser difíceis de percorrer, mas não impossíveis de serem alcançados.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
ALBINO,Lia Cupertino Duarte. A literatura infantil no Brasil: origem, tendências e ensino. Disponível em
CHAUÍ, Marillena. Brasil: Mito fundador e Sociedade Autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. 2000.
COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América: as quatro viagens e o testamento. Porto Alegre: L&PM,1998.
GREENBLATT, Sthephen. Possessões Maravilhosas. São Paulo: Edusp, 1996.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2002. 6ª edição.
MAINKA, Peter Johann. As Universidades Alemãs nos Séculos XX e XXI. Disponível em
SALE, Kirkpatrick. A Conquista do Paraíso: As Quatro viagens e o Testamento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e Religiosidade Popular no Brasil Colonial. São Paulo: Cia. das Letras, 2009.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica . São Paulo: Martins Fontes, 1993.
ZIEBELL, Zinka. Terra de Canibais. Rio Grande do Sul: Editora UFRGS, 2002.
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
A RAINHA NEGRA DO QUARITERE
Teresa de Benguela e a
Resistência Escrava no Mato Grosso do Século XVIII
Cabo Frio
2009
ULISSES FERREIRA DA SILVA FILHO
Monografia apresentada como requisito parcial a conclusão do curso de Licenciatura em Historia, da Universidade Veiga de Almeida, sob a orientação do Professor Paulo Roberto com o objetivo de aprovação no curso de Licenciatura em História
Cabo Frio
2009
ULISSES FERREIRA DA SILVA FILHO
TITULO: A RAINHA NEGRA DO QUARITERÊ - Teresa de Benguela e a Resistência
Escrava no Mato Grosso do Século XVIII
MONOGRAFIA: _____________________________________________
APROVADA EM: ___________________________________________
ORIENTADOR: Prof. PAULO ROBERTO
SUMÁRIO
Agradecimentos
Introdução .................................................................................................................. 7
Capitulo I
Mineração, Escravidão e Resitencia na Capitania de Mato Grosso - Quilombo
do Quaritere ...............................................................................................................10
Capitulo II
Uma Rainha Negra no Pantanal, Teresa de Benguela e a Resistência Quilombola
no MatoGrosso...........................................................................................................16
Conclusão.................................................................................................................. 22
Bibliografia................................................................................................................23
As minhas origens,
Ulisses Ferreira da Silva
e Maria Teixeira da Silva
lembrança do filho
À minha continuidade,
Thaís,
Lembrança de pai
“ um negro é negro. Apenas dentro de determinadas condições ele se torna um escravo”
K. Marx
Agradecimentos
Muitas pessoas foram de fundamental importância para realização deste trabalho, algumas direta, outras indiretamente.
Professora Ângela Maia interlocutora predileta, não só pela grande historiadora que é como pela grande amizade que nos une. Forneceu-me, inclusive material para pesquisa, Francisco “Chicão” pelas posições de critico ferrenho, João Gilberto pelas oportunidades de transmitir sábios conhecimentos filosoficos, e por fim Paulo Roberto pela paciência dedicada e também pela amizade que nos une.
Alem dos amigos que fiz nesta fase acadêmica, que partilharam momentos de angustia, alegrias (muitas).
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico tem como objeto o estudo dos quilombos no Brasil, tratado como um processo que expressava a luta de classes no contexto escravista, e também de manifestações culturais das quais os africanos construíram aqui suas identidades culturais.
O africano ao contrário do que se costuma dizer, nunca se submeteu pacificamente a escravidão. De modo geral, reagiu com os meios de que dispunha, sendo a reação individual ou coletiva e violenta. No primeiro caso, a reação se expressava nos muitos crimes de agressão e homicídios por negros cativos contra seus senhores. No segundo, estão as revoltas e os quilombos registrados pela história. A própria fuga não deixava de ser uma forma de protesto, e isso foi freqüente no comportamento do escravo. Fugiam em grupos ou individualmente, homens mulheres e crianças e internavam-se nos matos para formar os quilombos.
Embora este movimento tenha ocorrido em diversos pontos do Brasil, e em ocasiões diferenciadas, os quilombos apresentam uma característica comum, que são os motivos que levaram os negros a montar uma organização social e econômica resultante da vida em liberdade, demonstrando uma negação da sociedade oficial, que os oprimia, redefinindo sua religião e seus estilos de vida. O quilombo era uma reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos.
Infelizmente, não dispomos de documentos fidedignos, minuciosos e circunstanciados a respeito de muitos dos quilombos que chegaram a existir no país; os nomes de vários chefes de quilombos estão completamente perdidos, e os antigos cronistas limitaram-se a exaltar as fadigas da tropa e a contar, sem detalhes, o desbarato final dos quilombos. A despeito desta lacuna de informações, é possível o estudo genérico das características e peculiaridades dos quilombos. Como diz o antropólogo Edison Carneiro , no seu texto do livro “Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil”, no capitulo “Singularidades dos Quilombos” (p.p. 11-16), até agora, apenas o escritor Amaury Pôrto de Oliveira interessou-se por um estudo desta natureza, sob o aspecto particular de forma de luta contra a escravidão. Duvitiliano Ramos por sua vez, analisou com sucesso a “posse útil” da terra nos Palmares.
Nossa tentativa neste trabalho é analisar as peculiaridades dos quilombos em relação à sociedade oficial, desde a motivação para sua criação em locais diversos, proliferando por toda a colônia portuguesa. Esta análise será feita nos capítulos a seguir, para melhor entendimento dos leitores. O tema escravidão é complexo por isso, no primeiro capitulo veremos a origem do termo Quilombo. Ainda no mesmo capitulo, a criação do Estado do Mato Grosso e a existência do Quilombo do Quaritere, tomando por base os documentos encontrados com relação aos quilombos, e sua iniciação, primitivamente chamado de Piolho, Quariterê e finalmente de Carlota, em Mato Grosso, atacado duas vezes, em 1770 e 1795 e liderado por uma mulher chamada de Teresa de Benguela.
Debrucei-me no estudo deste Quilombo por entender que este teve grande contribuição para a criação do Estado do Mato Grosso, assim como nos anais da História, pouco se fala ou se escreve sobre esta grande líder, de grande importância, contribuição tanto para os negros, como para os índios em busca da sobrevivência.
Nossa idéia é também trazer à luz, figuras esquecidas inclusive pelo Movimento Negro. Muito se fala e divulga-se sobre os quilombos e as lideranças negras nos movimentos quilombolas, enfatizando principalmente, a liderança de Zumbi dos Palmares, no Quilombo dos Palmares. Contudo, pelo machismo dominante à época, e, ainda, nos dias de hoje, algumas figuras de relevância são esquecidas, como por exemplo a personagem Teresa de Benguela que analisaremos no segundo capitulo, que ficou por muitos anos esquecida.
Teresa de Benguela viveu na histórica cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, a primeira capital de Mato grosso, localizada as margens do Rio Guaporé. Foi uma das mais importantes lideres quilombolas no século XVIII, comandante do quilombo do Quaritere. Apesar de todos os seus feitos, pouco se conhece desta heroína da resistência a escravidão e símbolo da luta pela liberdade.
Em Mato Grosso, Teresa de Benguela já é reconhecida como heroína, mas pouco conhecida em todo Brasil. Sua importância é tão grande quanto a de Zumbi e sua memória merece ser resgatada como um exemplo de resistência.
Em 07/08/2009 a Comissão de Educação do Senado aprovou o Projeto de Lei nº 23 de 2009, que institui o Dia Nacional da Mulher Negra, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko, e relatada pelo Senador Paulo Paim que apresentou parecer pela aprovação.
O projeto torna o dia 25 de Julho como o Dia Nacional da Mulher Negra. Este dia já é reconhecido como o Dia Internacional da Luta da Mulher Negra da América Latina e do Caribe, mas o Brasil não tinha esta celebração oficiliazada..
CAPITULO I
Mineração, Escravidão e Resistência na Capitania de Mato Grosso
O Quilombo do Quariterê
Os quilombos estavam localizados geralmente em zonas férteis, próprias para o cultivo de vegetais e abundância de animais de caça e pesca. A utilização da terra, ao que tudo indica, tinha limites definidos, embora a propriedade fosse comum, a regra era a pequena propriedade em torno de vários mocambos ou, como escreveu Duvitiliano Ramos, a “posse útil” da terra
Quilombo é uma palavra de origem dos povos de língua bantu (Ki-lombo, aportuguesado Quilombo). Sua presença e seu significado no Brasil está ligado a alguns ramos destes povos bantus, cuja escravidão os trouxe para o Brasil. Trata-se de grupos Lunda, Ovimbundu, Mbundu, Kongo, Imbangala, etc... e seus territórios se dividem entre Angola e Zaire. Embora quilombo (ki-lombo) seja uma palavra umbundu, de acordo com Joseph C. Miller ,
seu conteúdo enquanto instituição sócio-politica e militar é resultado de uma longa historia envolvendo regiões e povos aos quais já me referi. É uma historia de conflitos pelo poder, de cisão dos grupos, de migrações em busca de novos territórios e de alianças políticas entre grupos alheiros.
Em seu livro “Os Africanos no Brasil”, o médico e antropólogo Nina Rodrigues , cita Varnhagem, quando este registrou o primeiro quilombo
O primeiro entre 1602 e 1608, não esqueceu de opinar, com sua empáfia costumeira, depois de assinalar a redução do quilombo do Bateeiro, no Rio das Mortes (1768-1773), que: “As empresas de submeter vários covis de pretos canhambolas ou quilombos rebelados, e de avassalar algumas tribos de índios indômitos, cometidas a pequenos destacamentos de tropa, bem que freqüentes por esses tempos, apenas são dignas de menção na historia, pois que mais a esta pertencem à policia do país, como ainda hoje em dia” O quilombo Buraco do Tatu, na Bahia, com 20 anos de existência, destruído em 1764, o quilombo da Carlota, em Mato Grosso, destruído em 1770 [..]
No fim do século XVII, e na primeira metade do século XVIII, a região central do território brasileiro sofreu um grande impacto no seu processo de colonização, a partir da descoberta do ouro e diamantes, tornando a atividade mineradora importante. A sociedade tinha por base uma diversidade econômica que incluía a agricultura, pecuária e produtos de transformação como aguardente, rapadura, têxteis, etc.
Por sua diversidade econômica, continha também uma população diversificada, composta de uma estrutura social variada, onde brancos, negros, índios e mestiços de diversas categorias como livres, forros, escravos e administrados.
O professor Carlos Magno Guimarães e a bióloga Juliana de Souza Cardoso , no livro “Os Quilombos na Historia Social do Brasil,” no texto Arqueologia do Quilombo (pp.35-36), destacam acertadamente a rebeldia e a ânsia de liberdade existente entre os escravos e o porque do nascimento dos quilombos .
A classe escrava destacou-se por seu numero e rebeldia desde o principio do século XVIII, onde quer que o escravismo estivesse presente havia se formado comunidades de escravos fugidos: os quilombos.
O Brasil, do descobrimento ao colonialismo, conseguiu interessar os europeus e ao mesmo tempo, despertou um acirrado interesse entre eles, que mais tarde provocaria diversos conflitos com a participação de estrangeiros, índios, brancos e negros. Os motivos eram diversos, desde o descontentamento pelas altas taxas impostas pela metrópole, a falta de gêneros alimentícios para os colonos e escravizados, e o desequilíbrio político entre a colônia e a metrópole.
O mecanismo de resistência escrava se manifestou de várias formas: a fuga e o quilombo, as insurreições, os crimes e os suicídios. Ao contrário do que se tem dito, a resistência era um progresso contínuo, permanente, e não esporádico, e tinha caráter racial e social. As fugas e a formação dos quilombos começam em 1559 e foram até a Abolição. As fugas não se contavam e não podem ser totalmente investigadas, mas os quilombos têm sido mais estudados.
Neste contexto, a formação dos quilombos foi a principal forma de resistência negra durante a escravidão no Brasil. Eram aldeias compostas de negros fugidos e índios, que por não aceitarem a condição de escravos passavam a viver comunitariamente.
No século XVI, representantes da coroa portuguesa se aventuraram pela Amazônia, tendo passado pelos vales do Madeira, Guaporé e Mamoré, pensando em utilizar essa região como ponte de passagem e ligação entre as colônias do Sul e as do extremo Norte, ligação extremamente arriscada e difícil de ser realizada. Um dos primeiros passos de Portugal para assegurar sua posse na região do Guaporé, foi a ocupação de seus vales, de onde se extraia ouro e drogas do sertão. Essa ocupação se deu pela ação dos bandeirantes que, ao mesmo tempo, explorava e ocupava a região, porem era necessária a presença colonizadora e definitiva.
Foi com vistas à necessidade da presença constante dos colonizadores, e ainda antes da assinatura do Tratado de Madri que D. Antonio Rolim de Moura recebeu a incumbência de povoar a região do Guaporé. Nessa ocasião foi criada a capitania de Mato Grosso e Antonio Rolim de Moura coordenou a estruturação da capital daquela província, e da cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade as margens do Guaporé, que além de assegurar a presença portuguesa, seria um ponto de coleta de impostos sobre a mineração.
A região que mais tarde constituiria o território dos Estados de Mato Grosso, já era conhecida desde o século XVII, pelos bandeirantes em busca de aprisionamento de índios.
A história de Mato Grosso para realização deste trabalho, inicia-se no ano de 1719, quando a bandeira de Pascoal Moreira Cabral encontrou ouro nas margens do Rio Coxipó –Mirim, afluente do Cuiabá. Esta lavra no Coxipó era constituída de ouro aluvião, de fácil exploração e rápido esgotamento, mas a sua exploração teve duração de apenas dois anos, até que em 1722, Miguel Sutil encontrou ouro às margens do córrego Prainha, nas imediações da colina do Rosário. Essas ricas jazidas produziram em um mês, quatrocentas arrobas de ouro, concorrendo para uma corrida de aventureiros, que abandonando tudo o que tinham, partiram para a região aurífera, que apesar de ser muito rica, também esgotou-se rapidamente após a descoberta.
Por se tratar de área de mineração, Mato Grosso tinha sua produção regulamentada por uma rígida legislação colonial preocupada em garantir a concentração da maior parte dos recursos produtivos na extração aurífera. Assim, a agricultura e a pecuária eram desenvolvidas com restrições, pois a criação de gado era proibida. Para Mato Grosso, essas restrições visavam ainda a gerar um mercado consumidor para a economia de São Paulo, que em meados do século XVIII, se encontrava em serias dificuldades.
Os escravos negros chegaram a Mato Grosso concomitantemente à fixação do povoamento. A primeira monção proveniente de São Paulo trazia o necessário para a exploração do ouro, além de mantimentos e ferramentas, escravos. Estes direcionados aos trabalho de mineração.
Se inicialmente os escravos chegavam a Mato Grosso com as monções provenientes de São Paulo, após a criação e instalação da Capitania foi liberada a navegação dos rios da bacia Amazônica, permitindo a expansão da área de atuação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão. Parte dos escravos que entraram em Mato Grosso destinados a Vila Bela foram comercializados por esta empresa.
Os escravos da região trabalhavam principalmente na mineração, agricultura, pecuária e em obras publicas, atividade que se intensificou após a instalação do governo na capitania.
Os mineradores em busca de novas lavras, partiam do pequeno arraial, marchando sertão adentro. Desta forma, a população de Cuiabá constitui-se de forma transitória, em função das constantes andanças de seus habitantes.
Apesar de todas as dificuldades, era interesse da Coroa portuguesa manter o povoamento na região. Cuiabá era o ponto avançado de ocupação pela Coroa a Oeste. Em 1º de Janeiro de 1727, o pequeno arraial foi elevado à categoria de vila. A sociedade mato-grossense era formada por homens livres e escravos. Os livres estavam subdivididos em uma elite (fazendeiros, grandes comerciantes, e altos funcionários do estado português), uma classe média (formada por profissionais liberais, professores, pequenos comerciantes, militares de média patente, etc.), e os pobres, que era formados por homens livres pobres, soldados, mineiros e pequenos agricultores. Os “desclassificados”, os escravos eram formados por negros africanos e índios que trabalhavam nos serviços urbanos e rurais.
A instalação de uma representação do governo português não alterou o modo de vida da população, com os mineradores itinerantes indo e vindo dos sertões em busca de novas jazidas. Essas constantes marchas levaram o povoamento cada vez mais para o Oeste, quando em 1731, descobre-se ouro na região do Guaporé, formando novo núcleo de povoamento.
Chegando às margens do rio Guaporé, o povoamento luso adentrava a Floresta Amazônica, região de mata densa, por isso denominada região do Mato Grosso, aproximando-se a apenas 30 léguas da linha limítrofe das missões espanholas.
Desde o inicio da ocupação, a região de Mato Grosso teve o ônus de ser zona fronteiriça, responsável pela defesa do povoamento e por sua ampliação, tornando-se necessário a criação da capitania de Mato Grosso, que deu-se em 09 de Maio de 1748. Entre as funções do governo da Capitania, estava a de fortalecer a posição lusa nas discussões que resultaram na assinatura do Tratado de Madri, fortalecendo a argumentação das reinvidicações lusas, o uti possidetis.
Durante as primeiras décadas de existência do governo colonial em Mato Grosso, foram construídos fortes, fortalezas e núcleos de povoamento militarizados. Tanto as fortificações como edifícios do governo colonial foram construídos por mão de obra escrava.
Em seu texto na coletânea “Relação das Povoações de Cuiabá e Mato Grosso”, o cronista Jose Barbosa de Sá (UFMT, 1975, pp. 9-10), dá ênfase ao confronto entre índios e descendentes portugueses, na etapa inicial do povoamento de Mato Grosso. Na ótica do cronista, os índios eram um povo selvagem que criava obstáculos para impedir a consolidação do povoamento luso, dizimando as monções que cruzavam seus domínios, impondo pesadas perdas à navegação pela bacia do Paraguai.
As crônicas e memórias são ricas em relatos sobre os confrontos de fronteira entre Portugal e Espanha, que buscavam melhorar suas posições na região do Guaporé e do Paraguai. Existem vários relatos sobre os confrontos entre índios e brancos na disputa pelo território. Porém, raramente aparecem textos e referencias de confrontos entre senhores e escravos. Mesmo assim, as rebeliões de escravos eram tão temidas quanto as invasões espanholas ou os ataques indígenas.
Vale dizer que ao longo do século XVIII, as tensões entre Portugal e Espanha fizeram com que várias regiões do Brasil merecessem uma atenção especial da metrópole portuguesa, além das Minas Gerais. O primeiro foco de tensão era a região da colônia do Sacramento, ao Sul. Portugal, tentando incentivar o povoamento da região, incentivou enormemente a imigração portuguesa para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Muitos destes portugueses eram oriundos de Açores, região que na época, padecia de uma série crise na sua estrutura agrária, em função da decadência da cultura canavieira.
No caso da região central do Brasil que hoje se constitui o Mato Grosso, Portugal tentou manter a administração daquela área de uma maneira similar ao modelo adotado nas Minas Gerais, ou seja, controlar ao máximo a entrada de imigrantes, seja vindos de outras regiões do Brasil, notadamente São Paulo e nordeste, seja aqueles vindo de Portugal. Ao mesmo tempo, A metrópole portuguesa preocupou-se também em controlar a saída de metais e pedras preciosas de Mato Grosso.
Este trabalho tenta estudar a formação de comunidades quilombolas e suas estratégias de resistência em uma região do ciclo da mineração que tem sido pouco estudada até então.
O primeiro quilombo de Mato Grosso de que se teve notícia foi o de Quariterê, também referido por alguns cronistas por Quilombo das Campanhas do rio Galera. É sobre ele que se têm, no momento, mais informações, ainda que escassas.
Em Mato Grosso, como em qualquer outra região onde existiu a escravidão, os cativos resistiram à submissão. A resistência podia se dar no dia a dia, em pequenos enfrentamentos, como no confronto declarado. A fuga sempre foi uma constante e adquiriu algumas feições peculiares. Os cativos que viviam no Guaporé, próximos à fronteira, estimulados pelas autoridades espanholas, atravessavam a linha demarcatória em busca da cessão de liberdade que lhes eram prometidas. Em contrapartida, em algumas ocasiões, as autoridades coloniais se preocuparam em conter estas evasões, formulando acordos de devolução. Esta fronteira apresentava-se como alternativa tanto para o escravo evadido, como para o colono endividado.
As fugas de escravos em Mato Grosso tinham feições próprias, entre elas a fronteira como uma alternativa. Outro temor dos colonos era a população indígena, que podiam se tornar aliados dos escravos fugitivos, transmitindo-lhes as técnicas de sobrevivência nas florestas, no cerrado, no pantanal, tornando-se assim mais um perigo para os fugitivos.
Durante os séculos XVIII e XIX, vários aldeamentos de escravos fugidos surgiram em território mato grossense, alguns com certeza, tiveram vida tão curta que não deixaram registros. Outros se constituíram de forma organizada e duradoura, entres estes, é possível obter informações sobre alguns deles, tais como os Quilombos do Quariterê, do Sepotuba e do Rio Manso.
Em texto constante no livro “Liberdade por um Fio, Historia dos Quilombos no Brasil”, a professora Luiza Rios Ricci Volpato, disserta sobre o Quilombo do Quaritere, informando que embora bastante citado pela historiografia, esse quilombo que foi um dos mais famosos de Mato Grosso, foi muito pouco estudado. As informações existentes originam de um comentário sucinto fornecido no século XVIII por Felipe Jose Nogueira Coelho, provedor da Fazenda Real e Intendência do Ouro, em suas memórias.
No comentário do provedor ao se referir ao Quilombo do Quaritere, este afirma que sua origem deriva da exploração das lavras no vale do Guaporé, durante a década de 1730, considerando toda sua existência em um período aproximadamente de seis décadas.
Na ocasião da primeira ação violenta contra o quilombo, sua população era composta por mais de cem pessoas, sendo:
Negros (homens e mulheres) 79
Índios 30
Total 109
Durante este período, seus habitantes estabeleceram contatos com os povoamentos portugueses, onde alguns quilombolas através do escambo, conseguiam obter alguns produtos.
A sobrevivência de um quilombo dependia, em grande parte, da habilidade de seus habitantes em estabelecer relacionamentos que permitiam, alem do fornecimento de alguns produtos, informações sobre as ações de seus algozes. Os habitantes do Quariterê mantiveram um bom relacionamento com os índios, caracterizado em alguns momentos pela aliança e em outros pelo confronto, demonstrando habilidades nessas relações, caso contrário, seu quilombo sucumbiria precocemente.
O Quilombo do Quaritere, ou Quariteté, ou ainda do Piolho, situava-se nas imediações do rio Galera, afluente da margem ocidental do rio Guaporé e reuniu negros nascidos na África e no Brasil, índios e mestiços de negros e índios (cafuzos).
A historiadora Elizabeth Madureira Siqueira em seu livro “O Processo Histórico de Mato Grosso”, traduz muito bem a exploração pela população dos índios e negros pelos brancos.
Fugidos da exploração branca, os habitantes do quilombo conviviam comunitariamente em uma fusão de elementos culturais de origem indígena e africana. Os homens caçavam, lenhavam, cuidavam dos animais e conseguiam mel na mata; as mulheres preparavam os alimentos e fabricavam panelas com barro, artesanato e roupas
CAPITULO II
UMA RAINHA NEGRA NO PANTANAL
TERESA DE BENGUELA E A RESISTENCIA QUILOMBOLA NO MATO GROSSO
Nogueira Coelho afirma que a existência o quilombo do Quariterê datava desde os primeiros tempos de exploração das minas da região do Guaporé, e que na ocasião em que este foi destruído, teria mais ou menos três décadas de existência. O quilombo teria sido habitado por mais de cem pessoas, e tinha como forma de governo uma monarquia parlamentarista, cujo monarca era a rainha Teresa de Benguela, assistida por negras e índias. O Parlamento era presidido pelo Capitão Mor Jose Cavalo e o Conselheiro Jose Piolho. Esta estrutura de organização de poder era incomum nos quilombos brasileiros , uma vez que a grande maioria dos registros sobre as lideranças nos quilombos atestam a presença de homens. Assim, o quilombo do Quariterê se destaca exatamente pelo fato deste ter sido um dos únicos quilombos do Brasil comandados por uma mulher.
Este quilombo composto por uma população miscigenada, foi abatido pela primeira vez em 1770, pela bandeira liderada pelo sargento mor João Leme do Prado, que partiu de Vila Bela então sede do governo na capitania, que tinha na época como governador Luiz Pinto de Souza Coutinho, aprisionando 79 negros de ambos os sexos e trinta indígenas. Não era incomum os membros de uma bandeira encontrarem em um quilombo aqueles que não eram somente africanos fugidos. Na verdade, o quilombo pode ser entendido como uma forma camponesa daqueles considerados “desclassificados” pelo sistema escravista, desenvolverem atividades econômica e sócias de sobrevivência. A composição da população de um quilombo era portanto uma mistura de escravos africanos e “crioulos” ou seja, aqueles escravos nascidos no Brasil, além de índios destribalizados e livres pobres, tanto brancos como mestiços.
Vale dizer que a exemplo do que aconteceu em tantos outros exemplos na história brasileira, a investida das elites proprietárias contra estes quilombos nem sempre foi coroa da de êxito logo na primeira tentativa. Na verdade, era comum que um quilombo só fosse destruído depois de várias incursões. O maior exemplo disto foi evidentemente Palmares que só foi definitivamente aniquilado depois de décadas de tentativas de destruí-lo.
As tentativas de destruição eram dificultadas por vários fatores. Um deles era o fato de que a existência do quilombo na região era também sustentada por uma ampla rede de rede de relações que os quilombolas mantinham com as comunidades ao redor. Os produtos excedentes que a agricultura de subsistência dos quilombos eram trocados pelas mercadoria que comerciantes e mascates traziam para os quilombos, o que fazia com que muitos comerciante tivessem certo interesse na continuidade do quilombo, embora ele fosse representado como uma ameaça constante para os proprietários.
Um outro fator que dificultou a eliminação dos quilombos era a dificuldade de acesso a estas áreas, muitas vezes encrustradas em densa mata tropical. A presença de índios nestas comunidades era uma garantia de que a aproximação do inimigo fosse percebida a tempo de que fossem organizadas as defesas ou a fuga para outra região mais segura.
Os quilombos poder ser vistos não apenas como refúgios de escravos, embora a composição de sua população fosse em grande parte deste contingente. Tratava-se de uma economia de base camponesa que estabelecia um contraponto direto com o sistema produtivo vigente.
No confronto que destruiu o quilombo do Quariterê, o conselheiro militar de Tereza de Benguela foi morto, e a líder quilombola capturada. Ciente de seu destino, Tereza preferiu o suicídio com ervas, no momento em que foi conduzida à tortura , na cidade de Vila Bela, como afirma a antropóloga Maria de Lourdes Bandeira.
A Rainha Teresa ficou de tal modo chocada e inconformada com a destruição do quilombo que enlouqueceu. Taunay (1891:150) diz “quando foi preza, esta negra Amazona parecia furiosa. E foi tal a paixão que tomou em a ver conduzir para esta Vila que morreu enfurecida”. Os vexames e a grande violência que se abateram sobre a Rainha e seu povo, com o objetivo expresso da subjugação humilhante, foram demais para Teresa que encontrou na loucura uma forma de reação, recusando-se a se entregar e a curvar-se à autoridade dos brancos. Os quilombolas sofreram castigos cruéis em praça pública, expostos a curiosidade do povo , e foram marcados com a letra F, conforme determinação de alvará régio. Traumatizada pela ruína e aniquilamento de seu quilombo, num dos acesso de furor, expressão de revolta, a Rainha matou-se. O suicídio foi o gesto supremo de rebelião da Rainha à dominação dos brancos (1988:119-120)
A passagem acima merece algumas considerações. Em primeiro lugar, é importante destacar que as investidos contra o quilombo do Quariterê, alem de outras, tinha uma justificativa que se assentava sobre o discurso de que os quilombos eram um perigo à ordem vigente de todas as comunidades que ficavam ao seu redor. Mas, na verdade, a grande causa da perseguição era de o quilombo representar uma possibilidade real de todos “os desclassificados” terem algum acesso à terra. Em outras palavras o que estava em jogo não era somente o destino de alguns pretos fugidos mas a possibilidade de obter a terra por outras vias que não aquelas consagradas pelo sistema vigente.
O suicídio da líder do quilombo do Quariterê é emblemático no sentido de que a sua prisão não era apenas o fim de sua liberdade, mas o fim da liberdade de trabalhar como quisesse.
Em seu livro “Território Negro em Espaço Branco” a antropóloga Maria de Lourdes Bandeira analisa este quilombo, assim como a importância de Teresa, da seguinte maneira.
Na sua organização política residia a especificidade do quilombo Quariterê, que nisso se distinguia de Palmares e dos quilombos do Ambrósio e de Campo Grande. A forma de governo adotada foi a realeza. Havia um rei, mas à época da primeira destruição era governado por uma preta viúva, a Rainha Teresa, assistida por uma espécie de parlamentar, com capitão-mor e conselheiro. A alcunha do conselheiro da rainha, José Piolho, transformou em uma das designações do quilombo. Nos quilombos de Alagoas e de Minas Gerais, a chefia era masculina e não assumia o caráter de reinado formal, como no quilombo de Vila Bela (Bandeira, 1988:118).
Teresa comandou a estrutura política, econômica e administrativa do Quilombo, com rigidez disciplinadora, aplicando diversos castigos aos desertores, como enforcamentos, fraturas das pernas e enterramento vivo, e ainda manteve um sistema de defesa com armas trocadas com os brancos ou resgatadas das vilas próximas.
A estrutura de poder em um quilombo como este, era extremamente rígida, no sentido de que aqueles que passassem a fazer parte daquela comunidade, teriam de se submeter a um conjunto de normas cuja quebra seria punida de maneira exemplar, em alguns casos até mesmo com a morte.
O comando desta comunidade era exercido em moldes militares, na verdade, ao estilo de algumas tribos guerreiras da África. È por isso que é importante não perder de vista o fato de que na história do mais famoso dos quilombos da história do Brasil , o de Palmares, a liderança não era personificada em uma pessoa, mas em um posto militar, o Zumbi ou Zambi. Nesse caso, Zumbi ou Zambi era uma marca do status de um líder, o que nos permite concluir que no caso do quilombo do Quariterê, Tereza de Benguela era também um zumbi ou Zambi, ou seja um líder político e um chefe militar.
Um fator que merece ser estudado, mas que foge ao âmbito deste trabalho é a influência da migração de determinadas “nações” para as áreas de mineração, no sentido de entender as formas de sociabilidade existentes entre os escravos, tanto na mineração, quanto aqueles refugiados em quilombos. Assim, não seria surpreendente se o fato de uma mulher ter assumido a liderança em quilombo no Mato Grosso não possa ser explicado pelo fato de que entre a “ nação “ Benguela, a presença de mulheres nestas posições de destaque ser comum, ao contrário de outras etnias africanas.
Outro elemento que merece ser estudado com mais cuidado na composição desta população que sobrevivia a partir da mineração era forte presença de mulheres. Tal como em Minas Gerais, já analisada por inúmeros autores, o que temos nas regiões onde predominou a mineração as mulheres tinham o papel de manter a continuidade da família em uma economia onde os homens estavam em permanente circulação. Assim, os homens saíam de casa em busca da riqueza dos metais, muitas vezes em terras distantes. A criação de Mato Grosso era uma demonstração disto. Os filhos destas uniões acabavam crescendo sem conhecerem seus pais. Ao mesmo tempo, era comum estes homens terem mais de uma família, exatamente em função de sua itinerância. Assim, embora a mulher ocupasse uma posição subalterna na sociedade em função da preferência por braços masculinos para o trabalho, ela acabava ocupando um papel de destaque em uma sociedade como esta..
Teresa de Benguela revelou-se uma grande líder, implacável, obstinada e valente guerreira, que incomodou demasiadamente a Coroa pois influenciaria a luta dos bolivianos, ingleses e espanhóis para a passagem de mercadorias e a internacionalização da Amazônia.
Durante todo período colonial, a capitania de Mato Grosso teve privilegiada a sua condição de fronteira nos projetos metropolitanos, que deveria conter qualquer avanço sobre as áreas mais ricas da colônia, como Minas Gerais, por exemplo. A defesa dos limites territoriais se fazia especialmente por meio de povoamento. Por esta razão vários investimentos foram realizados para promover o povoamento no Oeste do Brasil.
A Casa de Cultura da Mulher Negra , define muito bem a posição desta líder quilombola, ao citá-la no seu site em Mulheres Negras tem História.
Líder quilombola do século XVIII não sabemos se era natural de Benguela, Angola ou se nasceu no Brasil. Para nós, mulheres negras, importa o exemplo de garra e competência na luta contra a opressão.
Os objetos de ferro, utilizados pela a comunidade negra que lá se refugiava, eram transformados em instrumento de trabalho, demonstra que dominavam o uso da forja. Além disso, a economia de subsistência era composta da plantação de milho, mandioca, algodão. Também dominavam a arte da tecelagem e a fabricação de tecidos, os quais eram comercializados fora dos quilombos, assim como os alimentos excedentes.
Com a dificuldade de abastecimento de escravos na região guaporeana, o poder público, através da Câmara Municipal de Vila Bela da Santíssima Trindade e os proprietários de escravos, patrocinaram uma bandeira com a intenção de destruir o quilombo e recapturar os escravos. Estes, devidamente organizados, planejaram um ataque surpresa bem sucedido, que ocasionou a prisão da quase totalidade dos moradores.
Os sobreviventes foram levados à Vila Bela e, a mando do capitão-general de Mato Grosso João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, foram submetidos a castigos, tendo suas orelhas cortadas e tatuados os rostos com a letra F, de fugitivo, feito em ferro em brasa, com a intenção de conter as fugas. Porém, a vontade, o desejo e a luta pela liberdade eram maiores que tal humilhação.
Mais tarde em 1791, uma segunda bandeira foi organizada com recursos da Fazenda Real, comandada pelo alferes de dragão, Francisco Pedro de Melo, era constituída de 45 homens, que no dia 07 de Maio de 1795 partiram do porto de Vila Bela, permanecendo nesta missão por mais de seis meses. A expedição penetrou pela serra dos Parecis, seguindo as orientações de um preto forro que havia habitado o antigo quilombo do Quariterê.
Os bandeirantes perceberam rastros e vestígios da passagem de pessoas, que culminou com o aprisionamento de três índios, um negro e um caburé (mestiço de índio e negro), habitantes do quilombo, um dos índios conseguiu fugir indo avisar aos quilombolas sobre a bandeira. Os quilombolas tentaram fugir, porem vários foram aprisionados.
Os comandantes ficaram impressionados pela fartura do quilombo: grandes plantações de milho, feijão, mandioca, amendoim, batata, cará e outros tubérculos. Cultivavam também frutas como banana e ananás, e plantavam fumo e algodão, alem de criarem galinhas. Na exploração da região, foram presos os habitantes do quilombo.
Negros 6
Índios 8
Índias 19
Caborés 10
Caborés fêmeas 11
Total 54
Entre as pessoas, apenas seis eram remanescentes do antigo quilombo, destruído a 25 anos. Pessoas idosas que exerciam as funções de comando do aldeamento, cujo orientação havia reestruturado a vida econômica do Quariterê, os habitantes em sua maioria haviam nascido no próprio quilombo, descendendo dos sobreviventes do primeiro ataque ao quilombo.
Ao perceberem as diversas habilidades desenvolvidas pelos quilombolas aprisionados, buscaram utilizá-las no interesse da metrópole. Os componentes da bandeira ficaram impressionados com a capacidade de organização produtiva do aldeamento Neste período Vila Bela enfrentava constantes quedas de produção e a fome se alastrava na população, enquanto o quilombo contava com uma agricultura bem estruturada e produtiva, mantendo seus habitantes abastecidos. Além disso, a maioria falava português e conheciam um pouco da doutrina cristã.
A chegada do comandante Francisco Pedro de Melo com os aprisionados, causou surpresa ao capitão general João de Albuquerque.
“(...) vendo sua Excellencia que todos Caborés e Índios de maior idade sabiam alguma doutrina Christã que aprenderam com os negros, e que se instruíram suficientemente e com gosto nesta capital onde se lhe acabou de ensinar, e ainda alguns Índios adultos, pois todos fallavam Portuguez com a mesma intelligencia dos pretos de que aprenderam; e como todos estavam promptos para receber o baptismo, foi pessoalmente assestir a este sacramento sendo padrinho d´alguns assim como d´outros as principaes pessoas desta Villa, cuja funcção se celebrou no dia 06 d´Outubro, recebendo este sacramento todos os de menor idade e alguns maiores que estavam mais instruídos na Religião”
Diante deste quadro, as autoridades coloniais se dispuseram a iniciar o povoamento fronteiriço, realizando primeiramente o aliciamento dos ex-quilombolas induzindo-os a aceitarem o jugo da Coroa de Portugal como súditos e defensores da fé cristã, batizando-os em Vila Bela, com a presença do governador e autoridades coloniais.
João de Albuquerque, governador de Mato Grosso, tornou-se padrinho de alguns ex-quilombolas, e outros deles se tornaram afilhados de pessoas da elite local. Com estes procedimentos, o governador procurava estabelecer elos de identidade entre eles e os prisioneiros: todos se tornavam iguais pela graça do batismo, irmãos na mesma fé e iguais por serem súditos da mesma senhora, a rainha de Portugal.
No dia seguinte ao batizado, as 54 pessoas aprisionadas partiram para estabelecer a nova Aldeia de Carlota, (homenagem a princesa no Brasil).
Conta Edison Carneiro (1964) que no período de decadência das minas de Vila Bela ocorreu a repressão de dois quilombos do alto Guaporé.
Um deles, o do rio Piolho, foi destruído duas vezes, em 1770 e 1795. A segunda expedição repressora, que ia também à procura de novos sítios para mineração, encontrou no quilombo a pequena população de 6 negros, 8 índios, 19 índias e 21 caborés, sendo 10 do sexo masculino e 11 do feminino. É que os negros quilombolas tinham aprisionado mulheres indígenas nas lutas contra os "cabixês" (cabixis) e com elas tido seus filhos mestiços, os ditos "caborés". Os indígenas que viviam com os negros já conheciam alguma doutrina cristã ensinada por estes.
Os prisioneiros foram levados para Vila Bela, onde, na presença do capitão-general, foram batizados. Em seguida foram reconduzidos ao quilombo, agora chamado de Nova Aldeia Carlota, nome dado em homenagem à princesa de Portugal (certamente D. Carlota Joaquina), comprometendo-se a manter comércio com Vila Bela, atrair os índios cabixis assim como dar notícia de ouro, se o viessem a encontrar.
E Flavio dos Santos Gomes, em seu livro A Hidra e os Pântanos, faz referencia sobre o término deste quilombo, relatando seu reaparecimento em alguns relatos no diário do bandeirante Francisco Pedro de Mello .
Depois de supostamente destruído e seus habitantes capturados nada mais se soube desse mocambo. Reapareceu no diário de viagem do bandeirante Francisco Pedro de Mello enviado para o governador da Capitania do Mato Grosso, em 1795. essa viagem, que durou quase sete meses, indo de maio a novembro, tinha como principal objetivo “se destruírem vários quilombos, e buscar alguns lugares em que houvesse ouro” [...]
Teresa de Benguela ainda hoje esta viva na lembrança de pessoas que lutam na tentativa de eliminar a diferença entre raças e glorificam a luta. O grupo feminino de capoeira instalado em Porto Alegre/RS que leva o nome de, Coletivo de Angoleiras Teresa de Benguela espaço de diálogo de diferentes grupos de capoeira que atuam na cidade de Porto Alegre/RS (Brasil) para discutir relações de gênero na capoeira e levar essa discussão a diferentes públicos.
No ano de 1994, a Escola de Samba Unidos da Viradouro contratou o carnavalesco Joãosinho Trinta, e levou as ruas o samba enredo “Teresa de Benguela – Uma Rainha Negra no Pantanal”, obtendo o terceiro lugar.
Amor, amor, amor
Sou a viola de cocho dolente
Vim da Pérsia, no Oriente
Para chegar ao Pantanal
Pela Mongólia eu passei
Atravessei a Europa Medieval
Nos meus acordes vou contar
A saga de Teresa de Benguela
Uma rainha africana
Escravizada em Vila Bela
O Ciclo do Ouro iniciava
No cativeiro, sofrimento e agonia
A rebeldia, acendeu a chama da liberdade
No quilombo o sonho de felicidade
Ilê ayê, ara ayê, ilú ayê
Um grito forte ecoou
Na esperença, no Quaritere – Bis
O negro abraçou
No seio de Mato Grosso a festança começava
Com o parlamento, a rainha negra governava
Índios, caboclos e mestiços, numa civilização
O sangue latino vem na miscigenação
A invasão gananciosa, um ideal aniquilava
A rainha enlouqueceu, foi sacrificada
Quando a maldição a opressão exterminou
No infinito uma estrela cintilou
Vai clarear, vai clarear
Um sol dourado de quimera
A luz de Teresa não apagará – Bis
E a Viradouro brilhará na nova era
CONCLUSÃO
A história contada formou na mentalidade nacional uma falsa impressão da escravidão do Brasil. O negro acomodado à humilhação de escravo, apanhando chicotadas sendo marcados a fogo, a escrava submissa, presa às saias das sinhás, paparicando sinhorzinhos e sinhazinhas, servindo variadas vezes de objeto sexual de senhores e senhorzinhos.
Não é possível nem admissível que, indefinidamente, se conserve uma falsa impressão da realidade. Não é normal a uma criatura humana submeter-se pacificamente a esta tirania, o negro de fato reagiu assim como os índios a este regime de escravidão, que ao se refugiarem nas matas, mostravam aos outros a possibilidade concreta de um tipo de sociedade sem os desmandos dos senhores.
Os escravos, ao contrário do que se costuma dizer, reagiram com dignidade as condições absurdas a que foram submetidos, não foi o escravo de mau temperamento ou formação, um criminoso inconseqüente, se assim algumas vezes procedeu, foi por revide natural e humano.
Podemos ver que a posição dos quilombolas influenciou o comportamento da sociedade matogrossense à época. A classe senhorial criou a necessidade de mecanismos de defesa essencialmente psicológicos para manter os cativos sob seu jugo.
O Quilombo do Quaritere, produto de duas culturas, índios e africanos, produto este que produzia a essência vital dos valores de liberdade e independência. Este quilombo oferece um admirável exemplo de defesa contra a civilização branca, a resistência oferecida pelos quilombolas, foi pequena neste como em outros quilombos, mais ela reagiu infiltrando e integrando como forma de sobrevivência.
NOTAS
Carneiro, Edson, Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil, pp. 11-16, Maceió, Edufal, AL, 2001.
2 Miller, Joseph C. King And Kinsmen. Early Mbundu States in Angola. Carend Press, Oxford, 1976, pp. 151-175
3 Rodrigues, Nina , Os Africanos no Brasil, 3ª edição, SP, Brasiliana, 1945, pag. 165
4 Prof. do Dep. de Sociologia e Antropologia da Univ. Federal de Minas Gerais
5 Bióloga, pesquisadora do Setor de Arqueologia da Univ. Federal de Minas Gerais
6 CASA DE CULTURA DA MULHER NEGRA, 05/11/2007, às 10:39 hs, encontrado em:
http:/www.casadeculturadamulhernegra.org.br/quem_somos_nos_frameset.htm
7 Mello.F.P. de. Diário da Diligencia que por ordem do Exmo. Sr. João de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, Governador e Capitão General da Capitania de Mato Grosso, se fez no ano de 1975, afim de destruir vários quilombos e buscar lugares em que houvesse ouro. Publicações avulsas nº 24. Cuiabá: IHGMT, 2001
BIBLIOGRAFIA
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