quinta-feira, 30 de junho de 2011

Betty Milan, Colunista da Revista Veja

O que é ser jovem até o fim

"MEU AMIGO FRANCISCO ACREDITOU QUE, A PARTIR DOS 60 ANOS, JÁ NÃO PODIA INCIAR NADA E, POR ESSE MOTIVO, NÃO PAROU DE SE REPETIR. MORREU PRECOCEMENTE POR NÃO TER SIDO CAPAZ DE ENTENDER QUE, DEPOIS DE DEIXAR DE SER NATURAL, A JUVENTUDE É UMA CONQUISTA."

O que significa envelhecer? Ouso perguntar o significado do verbo, que a modernidade ocidental baniria da língua se pudesse. No primeiro sentido do dicionário, envelhecer é tornar-se velho. Leio e releio a frase, que me remete a um amigo de infância, Francisco, precocemente envelhecido. Continuo, no entanto sem resposta.
Volto ao dicionário. No segundo sentido, envelhecer é tomar aspecto de velho. Olho a foto do psicanalista francês Jacques Lacan que está na parede e observo seus cabelos brancos. Só que ele não se mostra envelhecido pelas suas cãs. A intensidade do seu olhar evidencia a juventude do homem – que permanecia jovem aos 74 anos, quando o conheci. Só bem depois ele perdeu o aspecto jovial.
Nos outros sentidos fornecidos pelo dicionário, também não encontro uma resposta satisfatória. No caso dos seres humanos, não se pode dizer que envelhecer é perder o viço. O homem não é um fruto. Tampouco não é um objeto.
A busca de uma definição precisa, por meio de língua, se revelou estéril. Olho de novo para a foto de Lacan e concluo que o envelhecimento físico, por si só, não é suficiente para caracterizar um velho. Eu me pergunto, então, por que ao contrário de Lacan, meu amigo Francisco envelheceu aos 60.
Citando – e comparando-se a – Pablo Picasso, o pintor espanhol, Lacan dizia que não procurava as suas ideias, simplesmente as achava. Um dia, declarou em um dos seus seminários: “Eu agora procuro e não acho”. Com essa frase, anunciou que a sua vida se apagava. Pouco depois, tomei o avião de volta para o Brasil. Naquele período, a única razão para eu ficar no França era a oportunidade de trabalhar com ele.
A juventude de Lacan, como a de Picasso, estava ligada à capacidade de se renovar através do trabalho. Duas vezes por mês, ele falava em público, para plateia de 1 000 pessoas, com ideias novas, uma atividade que demandava grande esforço. Mais de uma vez, encontrei-o exausto, em seu consultório.
Lacan foi um exemplo por nunca ter parado de começar. Embora fosse um intelectual, meu amigo Francisco acreditou que, a partir dos 60 anos, já não podia iniciar nada e, por esse motivo, não parou de se repetir. Não quis, inclusive, abrir mão de nenhum hábito da juventude.Continuava a comer, beber e fumar como aos 18. Lamentava o tempo que passava, porém não aceitava o fato traduzido nas mudanças do corpo e, assim, recusava-se a encontrar soluções para sua própria vida. Só sabia dizer: “Na minha idade é assim”. Foi vítima de uma fantasia arcaica sobre o tempo e viveu na contramão. Fazendo de conta que o tempo não existia. Morreu precocemente por não ter sido capaz de entender que, depois de deixar de ser natural, a juventude é uma conquista.

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